Redação Pragmatismo
Guerra injustificável 01/Out/2014 às 15:32 COMENTÁRIOS
Guerra injustificável

Grupo Khorasan: uma Falsa Ameaça Terrorista para Justificar Bombardeios na Síria

Publicado em 01 Out, 2014 às 15h32

Com auxílio da mídia, EUA criam 'grupo terrorista mais perigoso que o Estado Islâmico' para justificar ataque à Síria. Nome já sumiu da imprensa. Ofensiva de Obama não tem apoio do Congresso nem autorização da ONU e viola o direito internacional

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Obama ataca a Síria sem o apoio do Congresso e a autorização da ONU (Imagem: Pragmatismo)

Na madrugada de terça-feira passada (23/09), os Estados Unidos expandiram a operação militar contra o EI (Estado Islâmico) para a Síria e deram início a ataques aéreos contra o grupo extremista sunita, em uma manobra considerada mais ampla e complexa do que a implementada em agosto no Iraque.

No entanto, tal iniciativa apresentou algumas dificuldades: em primeiro lugar, o presidente norte-americano, Barack Obama, não obteve apoio do Congresso, nem autorização da ONU para realizar a ofensiva em território sírio. Além disso, o próprio Departamento de Segurança Interna já havia declarado, segundo a Reuters, que os jihadistas do EI não apresentavam nenhuma “ameaça específica” aos EUA.

Então, como explicar – em legítima defesa e sob a égide do direito internacional – a necessidade de bombardear um país em plena guerra civil há mais de três anos? Quem dá essa resposta são os jornalistas Glenn Greenwald e Murtaza Hussain no artigo “The Khorasan Group: Anatomy of a Fake Terror Threat to Justify Bombing Syria” (ou, “O Grupo Khorasan: a Anatomia de uma Falsa Ameaça Terrorista para Justificar Bombardeios na Síria”), publicado no domingo (28/09) na plataforma de jornalismo investigativo The Intercept.

Greenwald é o jornalista que noticiou pela primeira vez, por meio do The Guardian, a espionagem em massa praticada pela NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) e vazada pelo ex-analista Edward Snowden. Já Hussain é analista político do Oriente Médio com experiência em veículos como Al Jazeera. Juntos, eles investigam o comportamento da imprensa norte-americana nas últimas duas semanas para provar como a mídia foi conivente com a histeria coletiva gerada pelo Pentágono face à ameaça de um novo grupo terrorista: o Khorasan.

Tudo começou com um artigo publicado no dia 13 de setembro pela Associated Press, que citava militares e congressistas norte-americanos anônimos para alertar sobre a existência de uma perigosa organização que se fortalecia à sombra dos holofotes direcionados ao EI.

“Enquanto o Estado Islâmico ganha mais atenção agora, outros extremistas na Síria – uma mistura de jihadistas ‘durões’ vindos do Afeganistão, Iêmen, Síria e Europa – trazem uma direta e iminente ameaça aos Estados Unidos, trabalhando com fabricantes de bombas iemenitas para atingir a aviação norte-americana”, adverte a Associated Press na matéria. “No núcleo desta célula, conhecida como Khorasan, está um grupo de veteranos da Al-Qaeda do Afeganistão e do Paquistão, que viajaram para a Síria para se conectar com a filial da Al-Qaeda lá, a Frente Al-Nusra”, completa.

Para as autoridades norte-americanas, os militantes do Khosaran não estavam se dirigindo à Síria para lutar contra o governo de Bashar Assad, mas, na verdade, teriam sido enviados para recrutar europeus e norte-americanos cujos passaportes lhes permitissem entrar a bordo de aviões sem levantar grandes suspeitas, para facilitar ataques em aeronaves.

Na medida em que os dias passavam, a sombra em torno do Khorasan foi ganhando novos contornos com o auxílio de outros veículos. No dia 18 de setembro, a CBS anunciou que o EI estaria roubando atenção de outra milícia em atividade na Síria, mas que “poucas pessoas teriam ouvido falar, pois as informações a esse respeito foram mantidas em sigilo”, segundo a emissora norte-americana.

Na mesma linha, o The New York Times dedicou também um longo artigo sobre Khorasan no dia 20 de setembro. Segundo autoridades, novamente anônimas, consultadas pelo jornal, a célula seria liderada por Muhsin Al-Fadhki, veterano da Al-Qaeda tão íntimo do ex-líder Osama Bin Laden (1957-2011) que era um dos poucos que sabiam dos atentados de 11 de setembro em Nova York antes de terem sido colocados em prática.

Já no dia 23 de setembro, outros três veículos se uniram ao coro. A emissora NBC televisionou uma reportagem de quase 2 minutos sob o lema: “O Novo Inimigo”. Por sua vez, o jornal The Washington Post trouxe à tona uma matéria de 17 parágrafos com o título: “Alvo de ataques aéreos dos EUA: a célula secreta da Al-Qaeda planejava ‘ataque iminente’”. Sem ficar para trás, a CNN estampou na mesma data a manchete com fonte anônima: “grupo da Al-Qaeda na Síria planejava ataque contra EUA com roupas explosivas”.

O terreno estava pronto, então, para Obama alegar direito de autodefesa e, enfim, anunciar o plano de expansão da ofensiva na Síria. No dia seguinte ao início da operação, uma autoridade do Pentágono já confirmaria à Reuters que Al-Fadhki, suposto líder do Khorasan, havia sido assassinado em meio ao bombardeio norte-americano na Síria no dia 24 de setembro.

Para Greenwald e Hussain, contudo, uma vez que a história em torno de Khorasan serviu seu desígnio de justificar o início de bombardeios em território sírio, a narrativa simplesmente evaporou quase tão rápido quanto se materializou. E, a partir daí, a imprensa norte-americana passou a colocar em xeque essas “ameaças iminentes”.

Exemplos disso foram veículos como Foreign Policy, que divulgou um artigo em que questiona: “O grupo Khorasan é tão perigoso quanto a Casa Branca está tornando ser?”. De acordo com a publicação, os bombardeios em território sírio suscitam reflexões sobre a demora da mobilização do Departamento de Segurança Interna, já que a organização supostamente apresentava um perigo real a Washington. Além disso, a revista lembra que nenhuma autoridade revelou a repórteres um planejamento específico de ataque terrorista elaborado pelos membros do Khorasan em continente norte-americano.

Até mesmo o jornalista da Associated Press que revelou o furo da existência do Khorasan a partir de fontes anônimas no dia 13 de setembro pareceu mudar de idéia 12 dias depois. Dando nome aos bois, o repórter participa de coletiva com o diretor do FBI, James Comey, e o porta-voz do Pentágono, o Almirante John Kirby, ocasião em que admitem não ter informações precisas sobre como, quando e onde os membros do Khorasan pretendiam atacar o Ocidente.

Para Comey, a Síria é um país em que “não há completa visibilidade”, mas que o preocupava é que os milicianos do novo grupo terrorista estivessem organizando um novo ataque. “Nós podemos ter essa discussão se foi válido ou não atingi-los. Mas nós o fizemos e não acredito que seja necessário vomitar um dossiê para provar que esses são caras maus”, acrescentou Kirby.

Questionados sobre o termo “ameaça iminente” que mobilizou a opinião pública nos EUA nos últimos dias, as autoridades desconversaram mais uma vez. “Eu não sei exatamente o que essa palavra significa”, argumentou o diretor do FBI. “Nos nossos negócios e levando em conta a natureza das pessoas envolvidas e o que podemos observar, nós assumimos e agimos como se o ataque pudesse acontecer amanhã”, completa.

Outros veículos como National Review e até a Fox News também contestam a criação da suposta organização terrorista. “O Grupo Khorasan não existe. É um nome fictício que a administração de Obama inventou para nos enganar”, afirma o ex-Procurador Federal especializado em terrorismo, Andrew McCarthy, em artigo na publicação norte-americana. Já o ex-embaixador na ONU John Bolton disse à emissora que o episódio foi uma prova de que a Casa Branca quer tentar manter a aparência que a Al-Qaeda foi derrotada.

Em um contexto em que a ofensiva militar da coalizão liderada pelos EUA contra o EI Estado Islâmico no Oriente Médio já custou quase US$ 1 bilhão, as autoridades norte-americanas fazem da propagação de mitos um álibi para justificar “a Guerra ao Terror”.

A criação de narrativas como Khorasan justificariam o bombardeio a mais um país islâmico em uma região cujas diferenças têm se tornado cada vez mais abismais com a intervenção estrangeira. Infelizmente, como pontuam Greenwald e Hussain, os danos já aconteceram e a verdade emergiu apenas quando ela já é impotente.

Patrícia Dichtchekenian, Opera Mundi

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