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Noruegueses preparam um sistema político a partir do zero

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É possível construir um sistema democrático a partir do zero? Em arquipélago acima do Círculo Ártico, noruegueses estão provando que sim

Aimée Lind Adamiak conhece as regras do arquipélago de Svalbard muito bem. Ela viveu por seis anos em Longyearbyen, capital e principal assentamento das ilhas, com 2.500 pessoas e controlado administrativamente pela Noruega. Ela sabe que, assim que sai da capital, deve levar um rifle Mauser carregado. “Em Svalbard, há mais ursos polares do que humanos, nós precisamos, portanto, estar prontos para nos defendermos, caso necessário”, diz ela.

Lind Adamiak, professora de ciência política e história na escola local e mãe solteira de três filhos, também participa em vários comitês locais do governo. Ao visitar a ilha, recentemente, ela me disse: “Estamos prestes a introduzir uma política democrática similar à do continente”.

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Um governador norueguês administra toda Svalbard. “Temos uma grande vantagem aqui”, disse Lind Adamiak. “Poderíamos juntos começar do zero aqui, mas todos nós temos alguma experiência vinda de um outro lugar. Isto gera um grande equilíbrio.”

Svalbard é um arquipélago internacional constituído por dezenas de ilhas a meio caminho entre a Noruega e o Polo Norte. Em 1920, a Liga das Nações aprovou o Tratado de Svalbard, que garantia à Noruega soberania sobre as várias ilhas, com uma área total de 61 mil quilômetros quadrados. O tratado permitiu que todos os signatários tivessem os mesmos direitos de acesso ao território, que se encontra bem acima do Círculo Ártico.

Desde então, vários países, incluindo a Suécia, a Polônia e a União Soviética (e, mais recentemente, a Federação Russa), estabelecessem assentamentos em Svalbard por razões econômicas e estratégicas. Mas apenas a Noruega foi capaz de desenvolver seus assentamentos para a extração de carvão em vilarejos e cidades modernas e desenvolvidas, com Longyearbyen servindo como capital da ilha central, Advent Fjord, cerca de três horas de voo de Oslo.

Garantia de acesso

Desde que o aeroporto principal de Longyearbyen foi aberto, em 1975, a população da cidade mais setentrional do mundo mudou dramaticamente. ”Antes disso, apenas mineradores e suas famílias viviam aqui”, lembra-se Lind Adamiak. ”Hoje, temos todo tipo de gente por aqui”.

Longyearbyen, capital do arquipélago: o mundo lá fora nunca está tão distante para pessoas jovens, saudáveis e empreendedoras (Foto: Juan Vidal Diaz)

Na verdade, Svalbard é um dos poucos territórios no mundo todo onde basicamente qualquer pessoa é bem-vinda para se estabelecer. As garantias do Tratado de Svalbard, de acesso livre, sobrepõem-se a qualquer limitação imposta pela legislação de outros países, sejam os estatutos noruegueses ou as leis da União Europeia.

Há ainda dois antigos assentamentos soviéticos em Svalbard, Barentsburg e Pyramiden, que são governados por administradores russos locais. Barentsburg, um povoado de cerca de 500 mineradores e suas famílias, vindos da Ucrânia e da Rússia, ainda está habitado. Pyramiden, por outro lado, foi completamente abandonado em 1998. Dois anos mais tarde, um trágico acidente aéreo na cadeia montanhosa de Operafjellet matou 130 pessoas da comunidade russa local.

A decisão de abandonar o povoado foi feita muito rapidamente, e tudo foi deixado para trás. Graças ao clima gélido do Ártico, um forte agente de conservação, toda a infraestrutura deste antigo povoado-modelo soviético permanece intacta. As casas, solidamente construídas, provavelmente permanecerão ali por mais 500 anos. Os visitantes encontram uma cidade fantasma plenamente equipada, literalmente no fim do mundo. Apenas alguns poucos guardas russos ainda vivem ali, a fim de receber visitantes diurnos de Longyearbyen, distante a 4 horas de barco, mais 50 quilômetros por terra.

Longyearbyen oferece uma experiência bastante diferente. A cidade abriga a universidade mais setentrional do planeta, o Centro Universitário, em Svalbard, instituições culturais como a Galeria Svalbard e o Silo Global de Sementes de Svalbard (que contém “cópias extras” de sementes mantidas em bancos genéticos do mundo todo). Estas instituições atraem pesquisadores, estudantes e suas famílias do mundo todo. Várias linhas aéreas conectam Svalbard com destinos em toda a Europa e levam dezenas de milhares de turistas para a cidade todos os anos. Mais recentemente, o fato de que o arquipélago se transformou em uma zona livre de impostos, com álcool barato, ajudou a transformar a congelante Longyearbyen em um inusitado local para festas.

Primeiras eleições

Ao longo da maior parte do último século, Longyearbyen foi dirigida pelos CEOs da Store Norske, a empresa estatal norueguesa de mineração. Em 2002, as pessoas de Longyearbyen participaram das primeiras eleições livres da ilha. Desde então, a comunidade tem trabalhado passo a passo no sentido de desenvolver uma política que se assemelhe à de um típico município norueguês.

Já que a maior parte das pessoas fica em Svalbard apenas por um período de tempo limitado e há poucos serviços para os idosos, Longyearbyen e Svalbard permanecem lugares reservados para pessoas jovens, saudáveis e empreendedoras. Mas o mundo lá fora nunca está tão distante, como descobri após ouvir uma história de Aimée Lind Adamiak sobre uma de suas vizinhas.

No verão de 2011, Christin Kristoffersen quase perdeu seus dois filhos nos ataques levados a cabo pelo terrorista norueguês Anders Behring Breivik, que matou 77 pessoas em Oslo e Utöya. Os filhos de Christin estavam participando do acampamento juvenil de verão do Partido Trabalhista Norueguês. Ambos foram feridos, mas sobreviveram. Dois meses após os ataques, que são rememorados pela instalação de um monumento local, Christin foi eleita a primeira prefeita mulher de Longyearbyen.

“No que diz respeito à forma como vivemos juntos e tomamos nossas decisões, queremos ser o mais próximo possível de uma sociedade normal, como no continente”, disse Lind Amiak, “mas no que diz respeito à nossa situação bastante única, aqui no fim do mundo, queremos manter este lugar magnífico da forma como é hoje, para nossos filhos”.

Bruno Kaufmann | Zócalo Public Square | Longyearbyen. Tradução Henrique Mendes, Revista Samuel. Texto originalmente publicado em Zócalo Public Square, publicação on-line que busca estimular o sentimento de cidadania e comunidade