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Albinos relembram momentos com Alexandre Severo

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"Depois de Alexandre, não sofro mais com o preconceito. Ele era muito legal. Nunca perdeu a paciência". Irmãos Albinos nascidos em uma família de negros relembram momentos ao lado do fotógrafo morto em acidente aéreo

Fotógrafo Alexandre Severo morreu no acidente aéreo que também vitimou o presidenciável Eduardo Campos (Edição: Pragmatismo Político)

Amanda Miranda, NE10

Kauan, hoje aos 10 anos, não se esquece do fotógrafo que conheceu aos 5. Era Alexandre Severo, 36 anos, que faleceu nessa quarta-feira (13) em acidente aéreo que vitimou também o ex-governador Eduardo Campos (PSB) e mais cinco pessoas. O menino é um dos três irmãos albinos que nasceram de mãe negra e foram retratados com extrema sensibilidade por Severo em 2009. A reportagem iniciada por ele mudou a vida da família que morava na favela do V-9, em Olinda, no Grande Recife.

O noticiário dessa quarta chamou a atenção de Kauan e dos cinco irmãos, acostumados a assistir filmes o dia inteiro pela grande televisão de LCD que ganhou de um programa após a veiculação do caderno especial do Jornal do Commercio, escrito pelo repórter João Valadares. Os meninos achavam que conheciam aquele Alexandre Severo. Mas só tiveram a certeza nesta quinta (13), no momento em que apareceu a premiada foto de Kauan com a irmã Ruth, hoje com 15 anos, uma prima e o gato da família, no primeiro clique feito pelo fotógrafo.

O primeiro encontro entre Severo e os meninos foi em uma pauta do dia a dia, a entrega de casas populares na comunidade onde moravam, com a presença de autoridades políticas. O fotógrafo fez o primeiro registro das crianças e, percebendo a reportagem que poderia ser originada dela, mostrou ao amigo e ao diretor de redação, Laurindo Ferreira. “Voltamos, descobrindo uma história linda. Isso prova o olhar sensível de Severo e como ele era um profissional muito diferente”, relembra Valadares.

“Ele era muito legal. Nunca perdeu a paciência”, lembra o menino que arranca queixas de Ruth por falar demais e não parar quieto, segundo ela. “Eu sou danado por vinte crianças”, assume. Assim era com Severo. Assim foi nesta quinta. Há cinco anos não largava a câmera dele e abraçava o fotógrafo constantemente. Hoje, já esperava que a equipe fosse visitá-lo e pediu logo para ele mesmo tirar as fotos. “Quero ser fotógrafo”, disse. Na semana que ‘Alexandre’, como ele chama, esteve na casa, o abraçava constantemente. “Kauan era maluco por ele”, conta João Valadares.

Os três meninos que sentem a pele queimar ao ficar expostos à luz viviam confinados na pequena casa de tábuas, enquanto um irmão negro, João, 14, podia sair para brincar. Já sabiam que Rebeka, também de pele morena, hoje aos 6, poderia ao crescer.

Para ir à escola, Ruth e Estefani, esta com 13 hoje, vestiam casacos, bonés e passavam a quantidade de protetor solar que a mãe desempregada tivesse condições de comprar. “Gostava de ficar em casa porque lá era pequeno e fechado. O sol não batia. Era pequeno e não tinha como ele (o sol) me pegar”, relata Estefani. “Agora tenho mais liberdade, mais amizades. Gosto de conversar e ver gente e só agora consigo fazer isso”, conta Ruth.

De lá para cá, a rotina mudou muito. A casa onde vivem, em Rio Doce, Olinda, foi doada por um programa de TV. Kauan lembra que as roupas com proteção contra raios solares vieram pelas mãos de Alexandre Severo. De acordo com João Valadares, após a publicação, os dois voltaram à casa muitas vezes e se preocuparam com a exposição das crianças.

Os três albinos saíram dos holofotes e ganharam uma irmã, Maria Alice, 3. Mas deixaram de chegar à casa as doações. Os tubos de protetor solar, que antes eram oito ao mês, diminuíram para três mensais, o que dura duas semanas, no máximo. Kauan perdeu os óculos e, não podendo comprar novos, teve que ler o jornal desta quinta a poucos centímetros do papel.

Com o salário mínimo que recebem de benefício para Estefani e os R$ 300 de pensão pagos pelo pai dos meninos, conseguem pagar apenas a conta de luz, de aproximadamente R$ 100. E se endividam para as outras despesas. A crítica já havia sido feita por João Valadares em 2012, na reportagem Reencontros, do JC. Nesta quinta, Rosemere fez um pedido: agradecer. Às ordens: “Quero agradecer às pessoas que doaram e a todo mundo que torceu. Quero dizer também que a gente está bem, graças a Deus.”

Apesar da dificuldade financeira da mulher que, sem qualificação, não consegue emprego, a realidade hoje é mais feliz. “Prefiro não pensar como seria se a gente não tivesse conhecido Alexandre. Do mesmo jeito (que na V-9), eu acho. Não sofro mais com o preconceito”, disse Rosemere, mãe das crianças. Antes de ter os filhos retratados por Severo, via Kauan ser chamado de “branco vira-lata” e, nas ruas, questionavam se ela era a babá dos próprios filhos. “Quando a primeira (Ruth) nasceu, não acreditei que ela era a minha filha, pensei que tinha sido trocada na maternidade. Amei mesmo assim”, conta, rindo. “Veio João, pretinho, e só percebi que eram meus quando nasceu a segunda (Estefani)”, acrescenta.

“As pessoas, sobretudo elas, é o que importavam. A alma sempre presente, estampada em seus retratos. Não à toa enxergou os meninos albinos nascidos numa família negra na periferia de Olinda. Seu ensaio correu o mundo, pela delicadeza com que registrou as diferenças de pele e de cor que desafiavam a lógica do que é preto e do que é branco”, disse a jornalista Ciara Carvalho no JC desta quinta-feira, em homenagem ao fotógrafo com quem trabalhou.

A família hoje só enxerga as diferenças de uma forma: Amor, como Rebeka é chamada, quer ser igual a Estefani, enquanto a albina quer ser negra. É a admiração que uns sentem pelos outros, tão bem retratadas cinco anos atrás pelo Alexandre que Kauan abraçou e conquistou. Ou foi o inverso? Pouco importa.

Quem quiser fazer doações para a família pode entrar em contato pelo telefone (81) 8574.9294.