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Conheça a Casa das Crioulas

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Na Casa das Crioulas sempre cabe mais uma. Idealizado pela estilista Manoela Gonçalves, espaço cultural e de convivência feminina no bairro de Perus abre as portas no final de março

Por Amauri Terto, Vinicius Leandro Gonçalves e Vinicius Santos

Para além das questões teóricas, o feminismo presente na cidade de São Paulo se expandiu em ações concretas que reforçam o protagonismo da mulher na sociedade. Uma das referências dessa luta é a estilista Manoela Gonçalves, 30, que desde agosto de 2013, angaria recursos para materializar o sonho da Casa das Crioulas – um espaço de cultura e convivência voltado para mulheres.

No dia da entrevista, Manoela nos encontra na estação de trem. Ela não passaria despercebida. De saia longa, botas na cor marrom manchadas de tinta e massa corrida, tem um mosaico de tatuagens que se espalham pelos braços.

Questionada sobre como se envolveu pela busca mais direta de igualdade e liberdade da mulher, diz que acredita ter nascido militante. “Eu gostava de ser do contra. Eu não concordava. Eu queria saber o porquê das coisas”.

(Fotos: Vinícius Santos)

Filha mais velha, numa família de três irmãos, enfrentou dificuldade com a projeção do pai, que vislumbrava nela um exemplo para os mais novos. Exemplo do que ela não desejava ser. “Eu queria saber quem eu era primeiro para depois ser algo para alguém”, conta. Nessa busca, Manoela transitou por diferentes esferas do convívio social, observando sempre inconformada as estruturas machistas pré-estabelecidas. Ocupou cargo de gerência na área de moda, foi assessora de imprensa e até monja do Movimento Hare Krishna.

Casa, casos e crioulas

É na Rua Mogeiro, número 242, que uma casa com cores alegremente vivas, se destaca no bairro. Ao mostrar o espaço, ela destaca que muitas coisas que estão expostas no local tinham o lixo como destino. “Tudo que está aqui era lixo e eu peguei. Na maioria das vezes é doação ou lixo de ricos (que é luxo pra gente)”, explica.

No início, o intuito era apenas de criar uma simples oficina de costura. Entretanto, cada metro de espaço descoberto abria um novo horizonte de possibilidades. “Ao perceber o estado dos cômodos, fui reparando que dava pra fazer mais coisas. A ideia hoje é oferecer uma biblioteca, uma videoteca e discoteca livre. A gente também faz um escambo de livros, principalmente literatura voltada para a mulher”, comenta Manoela que, logo em seguida, trata de fazer uma descrição das frequentadoras do centro cultural.

Da porta para dentro, mães encontram espaço para trocar suas experiências, sejam práticas – como dicas de culinária e arte – ou sentimentais. “Cada uma delas vem com sua história e cada uma sabe fazer alguma coisa. Uma sabe fazer pão, a outra é boa em fazer mosaico e aí tem aquela que foi agredida, violentada ou a que não aguenta mais o marido e a que está com um cara só para se sustentar”, conta. Entre as paredes coloridas da Casa, as vozes de tais mulheres ecoam livremente levando consigo vivências e lacunas. Entretanto, há quem carregue marcas que não se desprendem do corpo com tanta leveza.

Ao falar sobre como surgiu a necessidade de idealizar o espaço, ela remonta seu esgotamento psíquico quando atuava como assessora de imprensa numa agência de comunicação. Após perceber que o tempo com Manolo, seu filho de 4 anos, estava cada vez mais escasso, ela se demitiu do cargo e refletiu como poderia se articular com outras mães solteiras que buscam espaços de vivências para seus filhos na periferia, além de outras questões que envolvem o feminismo como um todo.

Além das muitas reflexões sobre feminilidade e plenitude das mulheres, tais quais os impasses que ainda limitam sua existência, inegável é o papel e presença do homem nesta realidade. Manoela revela que os meninos que visitam a casa, “os arrependidos”, esperam dela um puxão de orelha. “Eu sou uma pessoa dura. Então eu falo ‘você dá um milho [fora/erro] desses e vem na minha casa me contar isso?’”, e em seguida, ainda firme em sua fala, a caseira das Crioulas pede para que o jovem procure sua parceira, converse com ela e transforme culpa em algo positivo. Algo como redimir-se.

Inauguração

Embora já estivesse com intensa circulação de pessoas, a casa vai abrir suas portas com uma inauguração oficial no dia 29 de março, a partir das 14h. Manoela explica que a tendência é que música e arte ditem o ritmo do evento. “No dia do lançamento, pretendo reunir DJs, mulheres grafitando o espaço, mães e filhos dentro da casa, reunir alguns coletivos que ainda não estão definidos “, afirma.

Após o primeiro encontro não haverá uma agenda fixa de atividades, mas você pode ficar sabendo com antecedência sobre a programação da casa pelo perfil oficial do Facebook.

Conheça outras instituições e coletivos em São Paulo que atuam em prol da liberdade feminina:

Casa de Lua – Espaço na zona oeste combina discussões sobre a figura feminina, política e eventos.

União de Mulheres de São Paulo – Fundada em 1981, a organização não-governamental promove encontros, cursos e atos em defesa dos direitos das mulheres.

Negahamburguer – Página da artista paulistana Evelyn Queiroz reúne ilustrações e pinturas que dialogam com a luta feminista.

Levante Mulher – Plataforma reúne reportagens, depoimentos e histórias a fim de ampliar a compreensão e análise da trajetória da mulher em busca de igualdade e justiça.

Marcha das Vadias Sampa – O movimento busca mostrar à sociedade que as mulheres não são responsáveis pela violência que sofrem. No Brasil, a Marcha das Vadias está presente em mais de dez Estados.

Nós, Mulheres da Periferia – O coletivo é formado por mulheres de diferentes regiões periféricas de São Paulo. Através da informação e divulgação de ações, busca dar visibilidade à figura feminina da periferia.

Think Olga – O projeto busca “elevar o nível da discussão sobre feminilidade nos dias de hoje”. Entre as ações do Think Olga está uma campanha contra o assédio sexual em espaços públicos chamada “Chega de Fiu Fiu”.

Coletivo Feminista Yabá – Coletivo formado por estudantes de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).
Feminismo Sem Demagogia – Página fomenta o debate a respeito do feminismo, opressão machista sobre as mulheres e empoderamento de mulheres.

Pão e Rosas Brasil – Grupo integra o movimento latino-americano Pan y Rosas, com agrupações no Chile, na Argentina, na Bolívia, no México e no Estado Espanhol.

Associação das Mulheres de Paraisópolis – Organização formada por moradoras da comunidade de Paraisópolis responsável por melhorias da condição feminina na região.

Originalmente publicado em Catraca Livre