Redação Pragmatismo
Esquerda 11/Set/2013 às 11:31 COMENTÁRIOS
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A história dos seguranças que ficaram com Allende até o suicídio

Publicado em 11 Set, 2013 às 11h31

Grupo de seguranças informais era formado por militantes socialistas que são homenageados anualmente até hoje

– Presidente, as pessoas se perguntam quem são esses sujeitos armados que vivem atrás do senhor e creio que não são da guarda oficial do palácio – questionou um jornalista do diário chileno El Mercurio, durante um evento, em 1971.

– Este é um grupo de amigos pessoais – respondeu Salvador Allende, batizando, sem querer, sua guarda presidencial informal.

Chegaram a ser mais de 150 homens, mas no final foram somente 18. Eles formavam o GAP (Grupo de Amigos Pessoais), uma equipe de guarda-costas recrutada entre militantes socialistas para proteger a vida de Allende. Não eram os melhores amigos do presidente chileno, mas foram os que ficaram ao seu lado até o último dia.

salvador allende chile
Salvador Allende (ao centro) – Arquivo

Poucos daqueles homens que compunham a guarda presidencial informal puderam sobreviver à ditadura, e a maioria deles vive fora de Santiago – e outros tantos, que foram ao exílio, nunca mais retornaram ao país. Sua história se mistura com a do próprio projeto da Unidade Popular. Através dela, se pode conduzir o relato do que foi a experiência que Allende costumava chamar de “uma revolução feita com empanadas e vinho tinto”.

Morre o general, nasce o GAP

A vitória de Salvador Allende nas urnas, no dia 4 de setembro de 1970, não foi suficiente para elegê-lo presidente, era preciso que a vitória fosse ratificada pelo Congresso Nacional, em votação marcada para 24 de outubro do mesmo ano. Por tradição, os congressistas, mesmo os que não seguiam a linha do presidente eleito, confirmavam a tendência das urnas, para não criar uma crise institucional. Porém, havia outros riscos ao mandato do socialista.

Dois dias antes da votação, três oficiais das forças armadas, que também faziam parte de um grupo extremista de direita chamado Pátria e Liberdade, tentam sequestrar o então comandante-chefe das Forças Armadas, general René Schneider, que impõe resistência e acaba sendo assassinado. O sequestro visava pressionar as Forças Armadas para intervir no país antes que Allende fosse proclamado presidente.

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A morte de Schneider, além de determinar o fracasso do golpe, também evidenciou a insatisfação de algumas fileiras militares com a chegada de um socialista ao poder. Essa situação preocupava a filha do presidente, Beatriz Allende, que propôs ao Partido Socialista a criação de uma guarda informal para que seu pai fosse cuidado por pessoas em quem ele pudesse ter mais confiança.

Para formar o que primeiro se chamou de DPS (Dispositivo Presidencial de Segurança, nome usado até a entrevista em que Allende os transforma em GAP), o partido começou a recrutar voluntários entre seus militantes, convidando os que se destacavam por sua lealdade. Um deles foi o funcionário público Isidro García, que tinha 20 anos e nenhuma experiência em operativos de segurança. “Fomos selecionados porque mostramos mais compromisso com o projeto e a disposição de morrer pelo presidente se preciso fosse”, lembra.

Entre miristas e socialistas

García era um funcionário público que trabalhava no Ministério da Habitação e foi recrutado junto com seu irmão Hugo para formar parte da chamada “equipe de escolta”, responsáveis inclusive por vigiar seus aposentos quando ele dormia. “O partido levava vinte voluntários até uma casa na cordilheira, onde Allende costumava passar os fins de semana, e lá tínhamos os primeiros treinamentos. No começo, não tínhamos a menor ideia de como fazer os operativos, mas logo tivemos a ajuda de integrantes do MIR, que tiveram treinamento em Cuba.”

Nos primeiros anos do governo Allende, o MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária, por sua sigla em espanhol) apoiou o projeto da Unidade Popular. O contato entre o movimento e o presidente chileno era feito por Beatriz Allende, quem faz o convite para que eles formem parte do GAP e contribuam com sua experiência em treinamento de combate.

Foram poucos os GAP provenientes do MIR. O mais conhecido foi Max Marambio, autor do livro “Com as Armas de Ontem”, em que conta sua experiência com os dois grupos. Segundo o livro de Marambio, Beatriz Allende foi uma das principais responsáveis pelo apoio do MIR ao projeto político de seu pai, pelo menos enquanto este durou. “Beatriz era colega de faculdade de Miguel Enríquez (pai do presidenciável Marco Enríquez Ominami), líder do MIR na época. Foi graças a ela que o MIR aceitou ser parte do GAP, sobretudo porque ela não contemporizava diante das diferenças políticas que tínhamos com Allende, e nem quando decidimos que nos tornaríamos oposição a ele”, conta Marambio em seu livro.

Marambio e outros integrantes do MIR formaram parte do GAP até o final de 1971. Quando o movimento decide romper com o projeto da Unidade Popular – por considerá-lo “comprometido com as regras da institucionalidade burguesa”, segundo Marambio, em seu livro –, a escolta presidencial passa a ser exclusividade dos militantes socialistas, e é nesse então que os irmãos García se destacam.

Como funcionava a escolta

Dentro do GAP havia três subgrupos, responsáveis por diferentes tarefas. A chamada “equipe operacional” era a que se adiantava às demais e fazia a vistoria dos locais por onde o presidente tinha que passar. Também havia a “equipe de guarnição”, que vigiava os edifícios do lado de fora. O terceiro grupo, mais bem armado, era a “equipe de escolta”, que seguia o presidente onde quer que ele fosse, caminhando ao lado dele e obrigando a guarda oficial do presidente a ficar mais distanciada, em segundo plano.

Isidro García era parte da equipe de escolta, que chegava a ter trinta homens em cada turno. Ele lembra que o trabalho era tenso, sobretudo no começo e no final do expediente, nos traslados entre a casa do presidente e o Palácio de La Moneda. “Nunca podíamos fazer o mesmo trajeto e íamos em um comboio com três veículos idênticos, que faziam uma espécie de ziguezague no caminho, para confundir um possível franco-atirador”, lembra García.

As táticas usadas pelo GAP eram improvisações inspiradas nos operativos de segurança mais complexos que havia na época, muito mais cuidadosos que o oferecido pelos carabineros (policiais militares chilenos) designados para a guarda oficial da Presidência da República. “Éramos mais odiados pelos carabineros que pela imprensa opositora. Os diários somente questionavam a legalidade do grupo, mas os carabineros nos chamavam de ‘delinquentes’ ou de coisa pior. Era difícil aceitar que o presidente confiava mais em nós que neles”, explica García.

A informalidade do grupo não era proposital, e o próprio Allende enviou dois projetos de lei ao Congresso tentando torná-lo oficial. Ambos foram rejeitados pela oposição, que tinha maioria nas duas casas.

Os tanques trouxeram Pinochet

Sem o apoio do MIR e de outros grupos de esquerda que voltaram a se dedicar à via armada, a Unidade Popular se viu enfraquecida. O ano de 1973 começou com a direita e a esquerda mais radical atacando o presidente, por diferentes motivos. O cenário político favorecia um golpe de estado e essa possibilidade levou Allende a se aproximar mais dos membros do GAP.

Isidro García conta que “a maioria de nós sabia que o golpe era questão de tempo, e o próprio presidente também. Quatro meses antes, em maio, ele começou a se reunir mais com a gente e dizer que tínhamos que estar preparados para isso. Foi quando alguns companheiros começaram a desertar”.

No dia 29 de junho de 1973, o Palácio de La Moneda amanheceu cercado por tanques do 2º Regimento Blindado de Santiago. Nesse dia, Allende e o GAP enfrentaram sua primeira prova de fogo. Cerca de noventa membros acompanharam o presidente em sua tentativa de entrar no Palácio e evitar o golpe. A maioria se esparramou pela Praça da Constituição, tentando enganar os tanques, enquanto os veículos que escoltavam o presidente esperavam o melhor momento para entrar. “Não chegamos a trocar tiros, mas houve ameaças e troca de insultos com os milicos”, recorda García, que completa: “depois desse dia, muitos deixaram o grupo, porque entenderam finalmente a dimensão da coisa e não estavam dispostos a esse risco”.

Victor Farinelli, Opera Mundi

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