Redação Pragmatismo
Mulheres violadas 08/Mar/2013 às 15:02 COMENTÁRIOS
Mulheres violadas

"Eu, definitivamente, vi o pior e o melhor dos homens", diz mulher violentada

Publicado em 08 Mar, 2013 às 15h02

O depoimento dramático de uma mulher que conta como foi violentada sexualmente e salva durante protesto na Praça Tahrir

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Mulheres sofrem com estupros na Praça Tahrir dois anos após revolução egípcia. Padrão nos casos levanta suspeitas de que violência sexual está sendo usada como forma de repressão.

No dia 2 de junho de 2012, eu estava na Praça Tahrir, aonde já havia ido várias vezes, para documentar o protesto que ocorria e não alcançava a mídia internacional. Eu não sou egípcia, mas acompanhei uma amiga egípcia durante e após o primeiro turno eleitoral. Eu a filmei em diversos protestos e marchas e por esse motivo estava lá aquele dia. Nós estávamos em um grupo de 5 pessoas, 3 mulheres e 2 homens. Nós nos sentimos seguros e estávamos atravessando a praça em direção à esquina com a rua Muhammed Mahmoud. De repente, ficamos cercados por muitas pessoas e eu percebi um homem nos seguindo. Ele tinha um celular nas mãos que não parava de tocar, mas ele não atendia. Eu o achei estranho e comentei com uma amiga, quando ela virou, ele já tinha saído e nós decidimos sair da área lotada da praça.

Para compreender as nuances e razões do presente depoimento, leia a seguir: Mulheres sofrem com estupros na Praça Tahrir dois anos após revolução egípcia

A melhor maneira foi passar pela cerca de metal e andar na rua. No caminho, eu senti um homem apertando o meu peito. Eu o afastei e continuei a andar. Durante o curto período que fiquei no Cairo, eu passei por assédio sexual muitas vezes e eu sabia que esse era um grande problema. Nós continuamos e de repente, todos os homens ao nosso redor começaram a tocar nosso corpo. Foi como se eles tivessem nos cercado ao mesmo tempo e nos separado uns dos outros.

Isso aconteceu enquanto estávamos passando pela cerca de metal. De lá, eu não vi nenhum dos meus amigos, com exceção de um deles que estava tentando afastar os homens de mim enquanto eles vinham mais e mais.

Antes que pudesse perceber, fui jogada contra uma parede, onde uma moto estava estacionada. Eu estava em cima da moto enquanto meu amigo e outros homens tentavam fazer um meio círculo para me proteger. Mas existiam mais homens tentando me machucar do que me proteger e eu fui agarrada por todos os lados e minha calça e camiseta foram arrancadas. Naquele momento, foi como se os homens fossem ainda mais à loucura. Minha calça foi arrancada por muitos homens e eles me estupraram com seus dedos sujos. Eu consegui colocar minha calça de volta e ainda podia ver a cara do meu amigo ainda tentando, com todas as suas forças, tirar pelo menos alguns homens. Eu realmente vi o pior e o melhor dos homens. Meu amigo apanhou e colocou sua vida em risco para tentar me salvar enquanto outros homens estavam lutando para chegar perto de mim com uma única intenção: me machucar o máximo possível.

Por todo o tempo, tentei me proteger, mas eram muitas mãos e muitos animais. Cada vez mais homens vieram se juntar ao assédio e, de repente, eu vi outro rosto que conhecia. Era um amigo norte-americano e tanto ele quanto meu amigo egípcio continuavam me dizendo que tudo ficaria bem, que logo isso tudo iria acabar. Eu não acreditei neles e acho que nem mesmo eles estavam acreditando nisso.

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Eu joguei minha câmera para meu amigo norte-americano e disse para ele correr. Eu sabia que ele apenas teria mais problemas ficando. Ele correu com a câmera e neste momento, meu amigo egípcio e eu decidimos escapar. Nós contamos até 3 e eu pulei em seu braços e isso criou um segundo de confusão para os homens que estavam me machucando. Mas, novamente, eles estavam todos em cima de mim. Eu fui jogada em um beco e contra uma parede.

Eu não sabia quem estava querendo me ajudar e quem não estava. A única pessoa que eu confiava era meu amigo. Outros diziam que estavam ajudando, mas, na verdade, estavam tentando ficar no começo da fila para pegar um pedaço do bolo. Outros estavam ajudando de verdade, mas era impossível saber quem eram.

(Vídeo flagra violência sexual coletiva contra mulher na Praça Tahrir. Legenda em Português-Portugal)

Os homens estavam como leões em volta de um pedaço de carne e suas mãos estavam por todo o meu corpo e debaixo das minhas roupas rasgadas. Novamente, minha calça e calcinha foram arrancadas com violência e muitos homens, ao mesmo tempo, me estupraram com seus dedos. De repente, eu fui atirada no chão e os homens me agarraram pelos cabelos, pernas e braços enquanto o estupro continuava. De alguma forma, consegui me levantar e a porta de um corredor se abriu perto de mim e fui empurrada para lá.

No corredor, cerca de 20 homens conseguiram entrar antes da porta se fechar. Eu não vi meu amigo entre eles. Foi a primeira vez que tive a chance de ver os homens por poucos segundos e eles eram de todas as idades. As expressões em seus olhos eram realmente de animais e nenhum um pouco humanas. E a forma como estavam me jogando era como se eu não fosse humana, mas um pedaço de lixo.

Novamente, eu fui cercada por todos os lados no meio do andar. Tinha até um homem deitado no chão, sendo pisado pelos outros, tentando enfiar seus dedos entre as minhas pernas. Isso aconteceu por todos os lados e mais dedos ao mesmo tempo. Eu tinha certeza que eles não iriam parar até eu ficar deitada morta no corredor. Eu, realmente, tentei lutar e proteger meu corpo, mas era impossível. Toda vez que eu tentava chutá-los, mais mãos estavam entre as minhas pernas e todas as vezes que eu tentava bater em alguém ou remover suas mãos, minha camiseta era ainda mais arrancada e meus seios puxados. Por um segundo, eu tive a chance de machucar um homem que estava atrás. Eu pressionei meus dedos, com toda a força que ainda tinha, em um de seus olhos, mas ele apenas continuou a me machucar com os seus dedos.

Dois ou três homens conseguiram me tirar dos outros e me colocar numa cadeira no canto. Agora, eu sei que eles estavam tentando me ajudar, mas eu não sabia disso no momento. Eu estava com tanto medo e não conseguia ver o fim disso. De repente, eu escutei um som alto e eu vi um idoso com um pedaço de madeira nas mãos. Eu o vi batendo em um jovem e eu fui empurrada em um quarto, enquanto alguns homens estavam tentando segurar outros. Finalmente, eu tive a chance de colocar minha calcinha e calça e um homem me deu uma bandeira do Egito para me cobrir. Me disseram para subir as escadas.

O idoso com o pedaço de madeira estava na frente e cerca de quatro ou cinco homens lhe seguiram. Outros ficaram e estavam tentando segurar o resto.

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Entre as centenas de mulheres que já foram estupradas na Praça Tahrir está Lara Logan, Correspondente da rede de TV americana CBS. A jornalista foi violentada em 2011 (Foto: Lara Logan no Egito / Reprodução)

Subindo as escadas, eu não tinha nenhuma ideia do que aconteceria. A única coisa que eu sabia era o que estava lá embaixo e que não poderia voltar. Eu continuava caindo porque não tinha nenhuma energia mais. As escadas não terminavam nunca e eu continuava caindo e chorando. Eu não confiava em nenhum homem. Um deles continuava dizendo “tudo está bem, os egípcios são bons”. Uma hora eu caí, e um homem atrás de mim tocou em meus seios, eu o empurrei e olhei para seu rosto e ele pediu desculpas e disse que foi um acidente. Não era e eu estava com nojo dele e ainda mais assustada com o que estaria me esperando no fim das escadas. Mas, por sorte, eles estavam me ajudando e eu estava tão aliviada de, finalmente, ver uma mulher quando entramos no apartamento no fim das escadas. Ela era a mulher do homem que me levava pelas escadas e eles não deixaram nenhum dos homens entrar.

A mulher me levou ao banheiro e me deu algumas de suas roupas. Quando eu cheguei no banheiro, não conseguia ficar em pé por nem mais um minuto. Eu caí no chão e comecei a chorar e chorar. Eu não sei por quanto tempo eu fiquei lá, mas, de repente, uma das minhas amigas apareceu na porta. Eu nunca tinha ficado tão feliz de ver alguém que conheço. Ela me abraçou e me ajudou a trocar de roupa e a lavar a sujeira de meu rosto, braços e mãos.

Nós ficamos no apartamento com essas pessoas maravilhosas que nos deram água e Pepsi para beber. Eles também me deram um lenço e sapatos, pois tinha perdido um par durante o ataque. Minha amiga tinha um telefone e conseguiu conversar com nossos outros amigos. Depois de um tempo, me disseram que era seguro deixar o apartamento, mas eu recusei diversas vezes até que me convenceram. Eu estava com tanto medo de aqueles animais estarem me esperando.

O idoso e seu filho nos seguiram até o final do beco e eu estava tão feliz de ver nossos dois amigos nos esperando. Nós andamos muito rápido, cobrindo minha cabeça com o lenço e entramos no carro do meu amigo estacionado parto. Nós fomos até o apartamento onde vivíamos e encontramos o resto de nossos amigos.

Nos dias seguintes, eu pude ver meus bravos amigos e outras mulheres começarem a conversar sobre esse grande problema. Eu fiquei na minha e retornei ao meu país depois de uma semana. Agora, estou recebendo ajuda médica e psicológica para me recuperar do ataque. Minha identidade permanece em segredo pela minha segurança e para poder retornar ao Cairo algum dia.

Eu desejo o melhor para as mulheres do Egito. Sem elas, não haveria nenhuma revolução. Atacá-las agora é apenas arruinar a continuidade da revolução. Eu ouvi algumas pessoas dizendo às mulheres para não contarem suas histórias sobre os assédios, ataques e estupros porque poderiam arruinar a imagem da revolução.

Eu tenho apenas uma coisa para dizer a essas pessoas: ninguém senão vocês estão arruinando a revolução. O que vai sobrar na praça sem as bravas mulheres?

Eu acredito que as mulheres não vão permanecer caladas e não vão desistir, mas é importante que todos os homens no Egito tomem uma posição sobre esse assunto. Diga alto, escreva em um cartaz, vista em uma camiseta. Faça o que for preciso para dizer às mulheres e o mundo que não são todos os homens no Egito que batem, assediam e estupram uma mulher apenas por andar nas ruas, por participar em protestos ou simplesmente, por exigir seus direitos.

Publicado originalmente no Nazra for Feminist Studies. Traduzido por Marina Mattar, Opera Mundi

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