Luis Soares
Colunista
Homofobia 01/Fev/2013 às 14:45 COMENTÁRIOS
Homofobia

A estranha obsessão pelo que os gays fazem na cama

Luis Soares Luis Soares
Publicado em 01 Fev, 2013 às 14h45

Por que essa obsessão pelo que os gays fazem na cama? Muitos homófobos, que fazem uma grande exibição de repulsa diante das “práticas desnaturadas”, escondem sua culpa atrás de sua fúria

As discussões sobre a emancipação homossexual nos ensinaram, no mínimo, que o pênis ocupa um grande espaço na imaginação conservadora. Como a torre escura de Mordor, ele paira sobre tudo o mais, preenchendo a mente e obstruindo a luz. Os que tentam fingir que não, sempre tropeçam em seus próprios pés chatos.

Não é verdade que nós “só pensamos em sexo”, protestou a jornalista católica Melanie McDonagh em The Spectator. Sem corar, ela se dedicou a demonstrar que quase não conseguia pensar em outra coisa. A sociedade deveria tolerar homens e mulheres cuja atração pelo próprio sexo não é expressa em relações sexuais, ela explicou, ao iniciar uma discussão sobre os pintos dos vigários. Se um vigário usar seu pênis para fazer sexo “sem o objetivo de procriação”, porém, ele deve deixar a Igreja. Sua obsessão pública pelo que as pessoas educadas antigamente chamavam de “partes privadas” importaria menos se não fosse compartilhada por todas as religiões e por muitos membros da imprensa conservadora e do partido Tory.

casamento gay homossexual

Chen Ching-hsueh e seu parceiro, Kao Chih-wei, mostram cartaz com a inscrição “devolvam meu direito de casamento”. Eles foram ameaçados de morte após tornarem pública a luta para se casarem em Taiwan. Foto: Sam Yeh / AFP

A Igreja Anglicana é muito mais liberal que o judaísmo ortodoxo, o catolicismo e todas as versões do islamismo. Entretanto, acredita em uma versão modificada do credo de McDonagh. Um vigário pode ter uma parceria civil, admitiu a Igreja no início deste mês. Mas se ele desejar que seus superiores o elevem ao bispado, deve submeter sua vida sexual a um exame cruzado. Somente se puder lhes dizer que se abstém de sexo será promovido.

Essas questões envergonham o interrogador mais que ao interrogado. Imagine se você fosse procurar um emprego e o entrevistador dissesse que você era ideal para o cargo, mas tinha de lhes dizer com quem fez sexo e quando o ato sujo ocorreu pela última vez, para que pudessem contratá-lo. Por que alguém que não seja um voyeur perguntaria sobre isso? De maneira igualmente pertinente, diante da comoção sobre o casamento gay, quem desejaria insistir que os gays e as lésbicas devem ser os únicos grupos que não podem desfrutar plenos direitos civis?

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A resposta sedutora que atraiu igualmente autores gays e héteros se resume na explicação que uma paciente do psicanalista Stephen Grosz deu para a reprovação de seu pai a seu relacionamento: “Quanto maior a frente, maiores as costas”. Ela havia descoberto que seu pai desfrutava secretamente o tipo de caso que ele a condenara por praticar abertamente. Estava escondendo sua culpa atrás de sua fúria.

Muitos homófobos, que fazem uma grande exibição de repulsa diante das “práticas desnaturadas”, imitam esse senhor. Em 1965, o primeiro visconde Montgomery of Alamein tentou conter a abolição das penas criminais contra homossexuais berrando que “pode-se igualmente perdoar o diabo e todas as suas obras” quanto permitir o sexo gay. Fiel à forma, seu biógrafo, Nigel Hamilton, revelou que Monty tinha relacionamentos apaixonados, embora não consumados, com rapazes.

Nos Estados Unidos, o caminho do púlpito à casa de massagens gay é tão conhecido dos pregadores evangélicos, que é incrível que tenha sobrado nele uma folha de relva. Diante de mais um escândalo, um Christopher Hitchens cansado escreveu: “Sempre que ouço algum falastrão em Washington ou no território cristão martelar sobre os males da sodomia, mentalmente anoto seu nome em meu caderno e acerto meu relógio, satisfeito. Mais cedo do que tarde ele será descoberto sobre seus cansados e gastos joelhos em algum horrível motel ou banheiro”.

Sei que é perigoso generalizar sobre um assunto tão vasto e complexo quanto a sexualidade humana, mas aprendi em minha vida confessadamente retirada que os homens que são, como dizem, “seguros” de sua heterossexualidade têm pouco interesse pelo que seus amigos homossexuais fazem na cama, e essa indiferença é recíproca. Sempre que ouvimos conservadores anunciarem que a igualdade para os gays “solapa o casamento”, pensamos: nossos casamentos podem suportar isso, então o que há de errado com os seus?
Assim como os antissemitas com suas fantasias de poder secreto judeu, existe uma nota de inveja na voz de muitos que condenam os direitos deles. O Journal of Personality and Social Psychology confirmou suspeitas quando publicou trabalhos com estudantes que diziam ser heterossexuais. Os pesquisadores mediram o abismo entre o que os estudantes diziam e como eles reagiam a imagens de casais gays ou pornografia gay. Os que sentiam mais atração tinham maior probabilidade de demonstrar um medo intenso dos homossexuais.

visconde montgomery gay

O visconde Montgomery de Alamein, que comparava o casamento gay as “feitos do diabo”, mas tinha relações apaixonadas e não consumadas com rapazes. Foto: Wikipedia / CartaCapital

“Mas que droga, na verdade você é gay” não é uma reação adequada ao preconceito, por mais verdadeiro que possa ser em casos individuais. Ele recai na falácia dos argumentos tu quoque [você também]. Se um orador diz: “O assassinato é errado” e um membro da plateia diz: “Mas você é um assassino”, ele provou que o orador é um hipócrita, mas não que o assassinato seja certo. Do mesmo modo, mostrar que muitos conservadores desejam sexualmente os que eles condenam não remove o estigma da homossexualidade. Tampouco modifica as opiniões dos homofóbicos que não são casos de armário.

Michael McManus tem uma cena de arrepiar em Tory Pride and Prejudice, sua história sobre a longa luta dos conservadores liberais para modificar a mentalidade de seu partido. Jerry Hayes, um exuberante deputado conservador, entra em um bar dos Comuns em 1986. O Departamento de Saúde decidiu que a única maneira de lidar com a nova ameaça da Aids é falar ao público de maneira sexualmente explícita. Ser franco com os eleitores também significa que algum infeliz tem de ser franco com a senhora Thatcher.

Ele encontra Willie Whitelaw, parecendo exausto e entornando uísque puro. “O que há de errado?”, ele pergunta. “Eu tive de explicar para Margaret sobre sexo anal”, é a resposta.

Ninguém alegou que Margaret Thatcher reprimia seu lado lésbico. Mas nos dias de cão seu governo aprovou uma pequena medida horrorosa conhecida como Seção 28, a última lei anti-homossexual a ser aprovada por um Parlamento britânico. Você também não pode dizer que todo mundo que acredita nos anátemas cristãos, islâmicos e judeus esteja negando seus impulsos homoeróticos. Eles são apenas fiéis que obedecem à autoridade religiosa e desejam tirar vantagem de sua licença para perseguir.

Assim como Thatcher, seu desinteresse pela homossexualidade não os retém, o que apenas serve para mostrar que o ódio flui de muitas fontes. No caso da homofobia, pode ser voyeurista, mal-educada, hipócrita, banal e disfarçadamente invejosa, ou pode ser ignorante, agressiva e servil à autoridade. Afinal, não importa. Ninguém tem o direito de negar um tratamento igualitário a um cidadão, seja qual for o motivo. Não tenho dúvida de que é satisfatório para os gays e as lésbicas dizerem tu quoque, mas noli me tangere [não me toque] é a resposta mais decisiva.

Por Nick Cohen, The Guardian

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