Redação Pragmatismo
Racismo não 24/Fev/2017 às 14:35 COMENTÁRIOS
Racismo não

A mulher negra e pobre que mudou a história da medicina

Publicado em 24 Fev, 2017 às 14h35

Descendente de escravos e filha de agricultores de tabaco, a história da mulher negra e pobre que mudou os rumos da medicina vai virar filme

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Henrietta Lacks (Imagem: Pragmatismo Político)

Priscila Doneda, Mdemulher

Descendente de escravos e filha de Eliza e Johnny, agricultores de tabaco, Henrietta Lacks nasceu Loretta Pleasant, mas mudou o seu nome para Henrietta. Ela veio ao mundo em 1° de agosto de 1920, em Roanoke, cidade da Virgínia, nos Estados Unidos. A menina perdeu a mãe quando tinha apenas quatro anos de idade e foi abandonada pelo pai, assim como seus nove irmãos. Na época, as crianças foram distribuídas e a garota foi morar com o avô materno, Tommy Lacks.

Conhecida por sua alegria, Henrietta passou a pobre infância nas plantações de fumo e se casou com o amor de adolescência, David, com quem realizou o seu maior sonho: o de ser mãe. Juntos, eles tiveram cinco filhos.

Em janeiro de 1951, quando tinha 30 anos, Henrietta começou a sentir um caroço no colo do útero. Decidida a esconder a situação da família, ela procurou ajuda médica no Johns Hopkins Hospital, localizado em Baltimore, Maryland. Era a época das leis segregacionistas de Jim Crow e até os hospitais que tratavam pacientes negros, como esse, separava-os em enfermarias para “gente de cor”.

Lá, ela descobriu que tinha câncer cervical, mas os médicos acreditavam que a doença – que a mataria em poucos meses – estava estabilizada. Os médicos apostavam que um tratamento com radioterapia seria eficaz para a sua cura, mas os tumores estavam se espalhando rapidamente pelo corpo, tomando o útero, os rins, a uretra, os gânglios linfáticos, os ossos dos quadris, os lábios, o intestino.

Nesse hospital, George Otto Gey, um médico fisiologista, buscava criar a primeira linhagem celular imortal da história, o que cientistas estavam tentando fazer há décadas. Sem pedir autorização, ele coletava amostras genéticas de pacientes e as cultivava no laboratório. Assim foi feito com as células cancerígenas de Henrietta, que foram denominadas HeLa (lê-se “rilá”).

Para a surpresa de todos, essas amostras finalmente tinham características peculiares – mas, até então, não se imaginava o que elas fariam pela medicina. As células dos tumores malignos de Henrietta foram capazes de se multiplicar, mesmo fora do corpo humano, em um curto e surpreendente intervalo de tempo. A cada 24 horas, elas reproduziam uma geração inteira e nunca pararam. Isso por conta de uma mutação, que produz a enzima telomerase, e controla a renovação dos cromossomos cada vez que a célula se divide. Cientistas estimam que, se elas pudessem ser empilhadas sobre uma balança, pesariam mais de 50 milhões de toneladas métricas. Ou ainda, se todas as HeLa já cultivadas pudessem ser enfileiradas, elas dariam, pelo menos, três voltas ao redor da Terra.

As HeLa passaram a existir em laboratórios de todo o mundo, gerando muito dinheiro para a indústria de medicamentos e pesquisa genética. Apesar de Henrietta não ter autorizado a doação das células e a sua família nunca ter recebido qualquer tipo de compensação moral ou financeira pela extração indevida de seu material genético, ele já serviu para mais de 75 mil estudos. A saber, ele esteve presente nas primeiras missões espaciais, além de ter contribuído para alguns dos mais importantes avanços da medicina, incluindo vacina contra a poliomelite, quimioterapia, clonagem, mapeamento de genes, fertilização in vitro, remédios para tratamento de herpes, leucemia, gripe, diabetes, hemofilia, mal de Parkinson, digestão da lactose, doenças sexualmente transmissíveis, apendicite, longevidade humana, acasalamento dos mosquitos e os efeitos negativos de trabalhar em esgotos, por exemplo.

Henrietta Lacks morreu no dia 4 de outubro de 1951, entre um grito de dor e outro. Seus filhos só tomaram conhecimento de que as células da mãe estavam sendo usadas para estudos científicos décadas depois, quando pesquisadores apareceram, interessados no DNA de cada um. Na época, no entanto, eles também não entendiam o que estava sendo feito, já que acreditavam estar fazendo exames para descobrir se tinham o mesmo tipo de câncer que Henrietta.

Interessada em divulgar esse enredo, a jornalista científica Rebeca Skoolt precisou de dez anos de pesquisa até que, em 2010, conseguiu publicar o elogiado livro A Vida Imortal de Henrietta Lacks, lançado no Brasil pela Companhia das Letras. Ela contou com a ajuda de Deborah, filha de Henrietta, para que essa história fosse narrada com detalhes e máxima veracidade. No entanto, não foi tão fácil assim convencer a herdeira a relatar memórias tão dolorosas – demorou mais de um ano até que Deborah aceitasse transformar tudo isso em livro.

Em 2010, com os recursos arrecadados com a venda do livro, Skoolt criou uma fundação para homenagear a memória eterna de Henrietta e ajudar a família Lacks, a The Henrietta Lacks Foundation. Além disso, uma lápide foi construída onde ela estava, até então, anonimamente enterrada.

Agora, essa história será contada em um telefilme da HBO, também intitulado A Vida Imortal de Henrietta Lacks, produzido e estrelado por Oprah Winfrey. Assim como acontece no livro homônimo, ele contará a trajetória da afro-americana, que será interpretada por Renée Elise Goldsberry, a partir do olhar de sua filha, Deborah, que será vivida por Oprah. Rebecca Skloot será a personagem da atriz Rose Byrne.

Escrito e dirigido por George C. Wolfe, o telefilme tem estreia prevista para 22 de abril na TV norte-americana. Muitos já apostam que o título é um forte candidato para vencer o Emmy Awards, premiação que contempla as produções televisivas e acontece em setembro.

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