Redação Pragmatismo
Curiosidades 18/Jan/2017 às 11:30 COMENTÁRIOS
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A cidade de 50 mil habitantes onde as pessoas vivem sem dinheiro

Publicado em 18 Jan, 2017 às 11h30

Conheça a cidade de 50 mil habitantes onde é possível viver totalmente sem dinheiro e saiba o que é preciso para ser aceito

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O arquiteto francês Roger Anger desenhou Auroville no formato de uma galáxia, em que várias “linhas de força” parecem desenrolar-se do ponto central onde fica o Matrimandir ou Templo da Mãe Divina (primeira imagem, esq)

Horatio Clare, BBC

É preciso ter muito senso de humor quando o governo declara que a maioria das notas que você tem na carteira não vale mais nada. Foi o que aconteceu na Índia: no fim do ano passado, o país retirou de circulação as cédulas de alto valor mais alto.

Em um país com 1,2 bilhão de habitantes, a corrida para trocar as notas de 500 (R$ 25) e 1 mil (R$ 50) rúpias ou depositar o valor em contas provocou grandes filas nos bancos – as cédulas que deixaram de valer correspondiam a 85% de todo o dinheiro em circulação no país.

A decisão do governo indiano pretende combater a corrupção, o mercado negro e a evasão de divisas, já que muitos trabalhadores recebem em dinheiro vivo.

Em novembro, poucos eram os sinais de revolta nas filas: as pessoas concordavam com a medida. Mas assim que as notas saíram de circulação, os jornais noticiaram que qualquer transação exigia negociações complicadas.

Houve festas de casamento em que convidados tiveram que pagar a conta. O governo chegou a declarar, por exemplo, que os pedágios seriam grátis porque não haveria dinheiro suficiente para troco.

Talvez o único lugar na Índia onde o desaparecimento das cédulas não tenha produzido nenhum efeito seja Auroville, também chamada de “A Cidade do Amanhecer”, localizada próximo a Pondicherry, no sul do país.

A cidade foi fundada a partir dos princípios da ioga integral e é uma comunidade internacional, onde vivem 50 mil pessoas de 50 países, inclusive do Brasil.

Auroville foi fundada em 1968 como um povoado internacional dedicado à busca de uma vida sustentável e harmoniosa.

A fundadora é uma parisiense chamada Mirra Alfassa (1878-1973) – que depois seria conhecida como “a Mãe”.

Filha de mãe egípcia e pai turco, ela nasceu na França e estudou ocultismo na Argélia. Em 1914, conheceu na Índia o poeta, nacionalista e professor de ioga Sri Aurobindo, seu mentor e companheiro.

As regras de Auroville

Para viver na “Cidade do Amanhecer” é preciso conhecer algumas regras:

– Auroville não pertence a ninguém em particular, mas a toda a humanidade. No entanto, para viver em Auroville é preciso ser um servidor voluntário da consciência divina.

– Auroville será o lugar de uma educação infinita, do progresso constante e de uma juventude que nunca envelhece.

– Auroville pretende ser a ponte entre o passado e o futuro, aproveitando todas as descobertas para avançar rumo ao futuro.

– Auroville será o lugar de uma pesquisa material e espiritual que vai resultar na manifestação viva da unidade humana verdadeira.

Alfassa sonhava com uma sociedade sem dinheiro, na qual o trabalho coletivo e a troca de trabalho por serviços tornaria moedas e cédulas irrelevantes.

A comunidade, que ocupa atualmente uma área de 20 quilômetros quadrados, plantou um milhão de árvores e transformou um terreno deserto e abandonado em área verde.

Mas não se pode dizer que a Auroville de hoje é a sociedade ideal que Alfassa imaginou: sua história inclui crimes, conflitos e constantes dúvidas sobre sua transparência financeira.

Mesmo assim, o empreendimento floresce: os aurovilianos têm empresas de todo o tipo, desde tecnológicas até têxteis.

Seu centro nevrálgico é o Matrimandir (“Templo da Mãe Divina”, em sânscrito), um local de meditação que se assemelha a uma gigantesca bola de golfe dourada.

Sonhando com café

No Café dos Sonhadores, perto do centro de informações para visitantes, ofereço um café a uma auroviliana recente em troca da sua história.

“Os sonhadores fazem o melhor café”, me diz a mulher, que prefere ficar no anonimato. “Mas é caro.”

O garçom pede o número da conta dela e ela indica que sou eu quem vai pagar.

“Cada um tem uma conta onde é depositada a sua manutenção. Estou aqui há três meses e, no primeiro ano, cada pessoa tem que financiar a sua estada”, explica.

Muitos residentes têm rendimentos próprios ou o apoio econômico de parentes e amigos.

A manutenção é uma quantia mensal normalmente suficiente para atender as necessidades básicas em Auroville. O valor é pago na unidade comercial ou no serviço comunitário onde eles trabalham.

“Na Suíça eu era pobre, mas aqui posso me dar ao luxo de doar dinheiro.”

A nova auroviliana aparenta ter menos que seus 70 anos.

“Isso é por causa da minha dieta e porque ando de bicicleta”, garante.

Com uma bata de algodão e um colar que, explica, simboliza a amizade, ela irradia um grande entusiasmo com a sua nova vida.

“Eu trabalhava com tecnologia da informação na Nestlé, na Suíça… Ainda não posso acreditar”, exclama, entre risos.

O contraste entre a multinacional altamente tecnológica e os centros de saúde e lojas de roupas artesanais é absurdo.

“Mas eu tinha que criar meu filho. Mas passei a procurar uma comunidade e, quando encontrei a página de Auroville na internet, soube imediatamente que este era o lugar em que eu queria estar”, lembra.

“Foi uma energia estranha.”

Em Auroville não existe propriedade privada da terra, de casas ou comércio. Tudo é coletivo.

A página da comunidade na internet afirma que “em Auroville o trabalho não é uma forma de ganhar o sustento, mas sim uma forma de servir ao divino”.

Utopia

“Minha missão é trazer o transporte elétrico para Auroville”, explicou. “Fiquei horrorizada ao ver tantas motocicletas!”

Por isso, ela está financiando o projeto e atendendo os visitantes no centro de informações. Ela fez amigos e está decidida a passar o resto dos dias na comunidade.

“Existe algo neste lugar que é maior do que a gente”, diz.

Embora não seja devota dos ensinamentos da “Mãe” e seja mais realista do que peregrina, ela fala sobre algo parecido com destino.

“Quando se recebe um chamado, as coisas fluem”, diz.

E o que ela oferece é mais do que tempo de trabalho.

“Tenho uma aposentadoria, assim não preciso que me paguem. Simplesmente quero contribuir com esta ideia.”

“Auroville faz com que as coisas sejam mais fáceis se você tem um sonho”, continua.

No entanto, o sonho de Auroville de libertar-se do dinheiro “ainda não está funcionando muito bem”, admite ela. “Mas não lidamos com dinheiro, o que é agradável.”

“Quem não tem rendimentos recebe ajuda, mas é um valor que dá apenas para viver modestamente. O importante é fazer amigos na comunidade e encontrar uma maneira de contribuir com a sua energia”, conclui.

O intervalo de descanso termina e ela volta ao seu posto no centro de informações.

Em muitas partes do mundo, pessoas relativamente saudáveis e aposentadas contribuem com seu tempo e conhecimento para o sustento das sociedades.

O que me surpreendeu depois de conversar com esta auroviliana é saber que ela vive numa comunidade na qual efetivamente paga para trabalhar.

E, ao que parece, sente uma satisfação que o dinheiro não consegue comprar.

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