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Meio Ambiente 13/Dez/2016 às 15:18 COMENTÁRIOS
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Mandante do assassinato de Zé Claudio e Maria é condenado a 60 anos de prisão

Publicado em 13 Dez, 2016 às 15h18

Zé Claudio e Maria: justiça histórica. Em um segundo julgamento, José Rodrigues Moreira, apontado como mandante do assassinato, foi condenado a 60 anos de prisão

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Zé Cláudio Ribeiro e Maria (reprodução)

Na terça-feira 6, o Tribunal do Júri em Belém tomou uma decisão histórica. Condenou a 60 anos o fazendeiro José Rodrigues Moreira por ser o autor intelectual, isto é, o mandante, do assassinato do casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, em 24 de maio de 2011, em Nova Ipixuna (PA).

Zé Cláudio e Maria, como eram conhecidos, eram ambientalistas e agricultores extrativistas, e denunciavam grilagem de terras, desmatamento ilegal e madeireiros dentro do projeto de assentamento agroextrativista aonde vivam. Após as mortes, Zé Cláudio e Maria foram declarados Heróis da Floresta pela ONU.

Para familiares do casal, foram cinco anos de angústia, sofrimento, ameaças de morte e intimidações. O fazendeiro foi absolvido em julgamento realizado em Marabá, nos dias 3 e 4 de abril de 2013. Seu irmão, Lindonjonson, foi condenado pelo assassinato junto do pistoleiro Alberto do Nascimento, a 42 e 43 anos de cadeia respectivamente.

Lindonjoson fugiu do presidio em Marabá em 15 de novembro do ano passado. Zé Rodrigues está foragido desde que o Tribunal de Justiça do Pará anulou o julgamento de Marabá e determinou a sua prisão preventiva e a realização de um novo júri, em agosto de 2014.

Em março de 2016, o processo foi desaforado para Belém, por entenderem os juízes que não havia condições de segurança para ser realizado em Marabá. No julgamento anterior, uma testemunha do crime foi ameaçada de morte por um dos irmãos de Zé Rodrigues, ainda dentro do fórum.

Agora em Belém, por maioria de votos, o júri decidiu que José Rodrigues mandou matar o casal: ele foi considerado “coautor” do crime. Segundo escreveu na sentença o juiz Raimundo Moisés Alves Flexa: “de forma fria, covarde e premeditada, articulou a morte da vítima contratando matadores para executá-la”.

O juiz Flexa ainda escreveu na sentença uma resposta indireta ao magistrado que havia presidido o júri anterior. Em 2013, o juiz Murilo Lemos Simão havia dito que “o comportamento das vítimas contribuiu de certa maneira para o crime”.

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Agora, em Belém, contra a criminalização das vitimas, o juiz Flexa escreveu: “Entendo que o comportamento das vítimas não contribuiu para o crime”. O comportamento aqui deve ser entendido pelas denúncias do casal aos aparelhos do Estado, como Ministério Público, Ibama e Incra, dos crimes ambientais e grilagem de terra dentro do projeto agroextrativista em que atuavam.

A viagem da família

Familiares do casal partiram de Marabá na noite anterior em um ônibus. A irmã de Maria, Bete, o filho do casal, Ramon, irmãos e irmãs de Zé Cláudio, rezavam juntos dentro do ônibus para controlar a angústia e a dor da injustiça.

Chegaram em Belém cedo pela manhã, um pouco antes do julgamento, bastante apreensivos. E foram embora à noite, para enfrentar outras 10 horas de estrada, mas aliviados. Laisa Santos Sampaio, irmã de Maria e testemunha no primeiro julgamento, não foi a Belém por recomendação médica: ele teve um aneurisma e temia sofrer mais pela ansiedade e angústia, e preferiu ficar em sua casa no assentamento.

Claudelice Santos, irmã de Zé Cláudio, não escondia a alegria. “É um alívio, eu quero gritar: justiça!” disse ela em frente ao fórum. “Ainda que ele esteja foragido, pelo menos houve uma justiça. A gente não podia aceitar aquele primeiro veredito de que meu irmão e minha cunhada contribuíram para a própria morte. Agora o juiz e os jurados desfizeram isso tudo.”

A satisfação pela condenação era superior à angustia provocada pelo fato de o mandante ainda estar solto. Ao ouvir a sentença, ela apenas chorava, amparada por um irmão e ao lado de sua filha, todos muito emocionados.

O assistente da acusação, Aton Fon Filho, advogado da Rede Social de Direitos Humanos e do MST, analisou a diferença dos julgamentos entre Marabá, em 2013, e Belém, em 2016, pela distância do latifúndio: “Aqui os jurados foram coerentes”, diz ele, o que “demonstra a importância de nos afastarmos do território do latifúndio”. Para Fon, também foi diferente a postura dos juízes: “o juiz de Marabá criminalizou os movimentos sociais.”

É por isso que essa condenação carrega também o sentido de uma justiça histórica, ainda que o mandante esteja foragido.

José Rodrigues, que não se apresentou, foi representado por advogados que diziam estar fazendo a defesa sem receber. Também estavam presentes um irmão seu e sobrinhos e sobrinhas.

A única testemunha que compareceu foi José Tadeu, como adiantado aqui nessa coluna, uma testemunha chave, vítima da violência de José Rodrigues quando tentava grilar terras. Tadeu, junto de Zequinha e “Marabá”, haviam sido expulsos de seus lotes por José Rodrigues, em 2011. Ele dizia ter comprado as terras por uma cartorária de Marabá. Tadeu foi levado até a delegacia de Nova Ipixuna, em ação armada por José Rodrigues, enquanto Zequinha teve sua casa queimada.

Depois do assassinato de Zé Cláudio e Maria, que o defenderam, Tadeu passou a ser ameaçado de morte e teve de fugir. Antes do julgamento, estive com ele em Marabá, e relatou que iria até onde for preciso para testemunhar, sem medo de represálias, se isso fosse ajudar a fazer o fazendeiro pagar pelo crime. “Onde tiver audiência eu vou atrás de justiça.”

Em novembro de 2010, após participar do TEDxAmazonia, cuja palestra atraiu atenção internacional ao crime quando Zé Cláudio relatou as ameaças de morte que sofria por defender a floresta, ele e Maria denunciaram ao Incra a comercialização ilegal de lotes dentro do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Praialta Piranheira, onde viviam.

A denúncia visava defender as três famílias de extrativistas (Zequinha, Tadeu e “Marabá”) frente a José Rodrigues, que havia comprado por 100 mil reais os lotes 40 e 41, do Núcleo Massaranduba II.

Após comprar a terra ilegalmente, José Rodrigues sabia que deveria utilizar a força para fazer valer sua pretensão. Conseguiu ajuda de um outro ocupante do PAE, Genival Oliveira Santos (Gilzão), sujeito que anos antes era amigo de Zé Cláudio, para expulsar Zequinha, amedrontar o agricultor e colocar fogo em sua casa.

A participação de Gilzão foi comprovada por escutas da polícia, quando Zé Rodrigues diz a Gilzão que se não pagarem um advogado para ele, iria contar tudo. Gilzão é processado em ação penal do Ministério Público sobre a comercialização ilegal de terras, mas não foi acusado formalmente de ter participado do agenciamento do assassinato.

Segundo as investigações da polícia e depoimento do próprio fazendeiro, quem vendeu a terra para José Rodrigues foi a cartorária Neuza Maria Santis Seminotti, que vem de uma família da elite de Marabá. Ela é prima do advogado Erivaldo Santis, que no primeiro julgamento defendeu o pistoleiro Alberto Nascimento, e agora em Belém liderou a defesa de José Rodrigues.

Após os assassinatos, a polícia abriu quatro linhas de investigação dos culpados: madeireiros, outros assentados, uma suposta vingança e José Rodrigues. Rapidamente confirmou o nome do fazendeiro.

O juiz Murilo Simão, de Marabá, por duas vezes negou, no entanto, o pedido de prisão preventiva, o que fez com que o fazendeiro fugisse quando saiu o terceiro pedido. Ele foi capturado escondido junto de Lindonjonson, armado com revolver e espingardas. Enquanto estava preso, José Rodrigues conseguiu com que o Incra o considerasse um “assentado”, através do nome de sua sogra e sua esposa nos lotes que comprou ilegalmente. E na sua ausência na cadeia, deixou irmãos e familiares ocupando as terras.

Entre seus familiares, era a sua irmã, Belionisa Silva Roch, a mais agressiva e que mais intensamente ameaçava de morte a irmã de Maria, Laisa Santos Sampaio, que também vive no PAE. Nas investigações do Incra, Belionisia abandonou um lote no assentamento Bom Jesus III, em Tucuruí. Ou seja, aparentemente, a família já sabia como ocupar e grilar terras em assentamentos.

Um relatório de dois servidores do Incra, de uma vistoria nos lotes em conflito em 23 de julho de 2013, portanto, após a absolvição e a pressão da opinião pública que se seguiu, “foi constatada a existência de 50 cabeças de gado, 3 cavalos e 50 aves, sendo os bovinos de propriedade do beneficiário Genivaldo, conhecido como Gil, que pagaria aos ocupantes o valor de 10 reais por cabeça/mês, para o pastoreio do gado, caracterizando inclusive a prática ilegal de arrendamento de lote“.

Gil é um fazendeiro da região, dono de uma loja de produtos agropecuários, e outro suspeito de participar do que seria o “consórcio” da morte do casal. Seu nome aparece em escutas da Polícia Federal, quando José Rodrigues pede para que paguem um advogado. Ele não chegou a ser indiciado pelo delegado e nem denunciado pelo Ministério Público.

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Após ter assentado irregularmente o fazendeiro, o Incra entrou com uma ação de reintegração de posse dos lotes contra José Rodrigues, e em 27 de junho, a oficial de justiça encontrou nos lotes que foram objetos do conflito um caseiro tomando conta da área a mando de um outro fazendeiro da região.

O fazendeiro José Alves, conhecido como Zezinho, já possui outros lotes dentro do PAE, além da Fazenda Nova Esperança, na região conhecida como “Vila Pajé”. O juiz federal Heitor Moura Gomes negou o pedido liminar do Incra para a reintegração imediata a fim de evitar tensões, e o caso segue caminhando lentamente enquanto a grilagem avança a passos rápidos.

Ou seja: ainda após o bárbaro crime, a impunidade da justiça associada com erros e, talvez, corrupção no Incra, serviu para legitimar por um período a ocupação ilegal, provocou ainda mais tensões e ameaças, e contribuiu para a destruição do projeto ecologicamente sustentável do assentamento, além de destroçar muitos sonhos de vida. Foi apenas após pressão pública pelo escândalo que o Incra começou a rever seus erros com uma varredura feita em 2014. E a justiça, agora em Belém, que começa a se fazer justa.

Ao menos, hoje o crime contra Zé Cláudio e Maria está condenado na história, ainda que o fazendeiro esteja foragido. Até que ele seja preso e cumpra a pena, o fato está dito. Como me disse uma vez o frei Henri de Roziers, um histórico defensor dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais no sul do Pará atuando na Comissão Pastoral da Terra: “para a memória da história de um povo, de uma geração, foi um fato, foi julgado e foi condenado. Para a memória coletiva”.

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Felipe Milanez, Carta Capital

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