Saullo Diniz
Colunista
Humor 13/Abr/2016 às 08:00 COMENTÁRIOS
Humor

O velho humor saiu pela Porta dos Fundos

Saullo Diniz Saullo Diniz
Publicado em 13 Abr, 2016 às 08h00

Cada vez mais o novo – e inteligente – humor vai deixando o velho cada vez mais velho, passado e esquecido. Mas as viúvas do velho humor ainda estão por aí culpando o “mundo chato” de hoje pelo insucesso de suas velhas piadas prontas

velho humor porta dos fundos racismo preconceito
Cenas do programa humorístico Zorra Total (reprodução)

Saullo Diniz*, Pragmatismo Político

Em 2010 chegou ao fim o Casseta e Planeta, um programa tão engraçado que ninguém sente saudades e, ao que tudo indica, parece realmente ter encerrado suas atividades sem nenhuma chance de atrair novamente o seu público – se é que o tinham. A inteligência de seus produtores não se refletia em seus roteiros que eram extremamente repetitivos e um tanto infantis. A triste e repentina morte de Bussunda, talvez o personagem mais popular do elenco, marcou também o início do fim do programa. O próprio Bussunda talvez seja mais sentido do que o próprio Casseta.

Lembro bem que na época muitas matérias trataram o humor dos cassetas como “passado” enaltecendo as “novas” formas que programas como Pânico e CQC vinham fazendo. Um ano antes do fim do programa da Globo, chegou ao fim também um programa não tanto aclamado pela mídia, mas que conseguiu grande público principalmente no eixo Rio – São Paulo com quadros curtos na MTV, Hermes e Renato.

Hoje, pouco mais de seis anos depois, o CQC acabou, o Casseta e Planeta já nem é mencionado, o Hermes e Renato foi pouco falado fora da MTV – mesmo tendo um de seus personagens atingido grande público no Youtube após o término do programa, o Gil Brother -, e Pânico é o único que sobrou, mas vai muito mal das pernas e claramente já não consegue mais se reinventar. A Globo tem tentado dar uma nova roupagem a Zorra Total, mas de fato a estrutura do humor pouco mudou.

Leia aqui todos os textos de Saullo Diniz

O que tem acontecido é o surgimento de uma “nova” forma de fazer humor – que não é necessariamente inédita. Um humor, eu diria, mais inteligente. Não classificando as “velhas” formas como burras, mas é um tipo de roteiro que consegue se apropriar de uma leitura do cotidiano sem impor aquelas piadas repetitivas, pelo contrário, tem inovado nas formas de criar, estruturar e gerenciar. Seus nomes não estão presos às emissoras, seus quadros não estão limitados aos tempos dos programas de televisão e sua propagação é feita pela internet. Uma gama de grupos têm surgido assim no Brasil trazendo novas formas de se satirizar os acontecimentos.

Nomes como Marcelo Adnet e os vários do Porta dos Fundos como, Gregório Duvivier, Fábio Porchat e João Vicente de Castro são alguns dos exemplos. Programas humorísticos que inverteram a forma de entreter, onde o foco não está no racismo, na xenofobia, na misoginia, homofobia ou racismo – como muitos “humoristas” o fizeram quando não apelavam para a pornografia – pelo contrário, têm questionado muita das vezes algumas posições e ideologias responsáveis exatamente por esse tipo de pensamento ancestral. Enredos como o “Chico Buarque de Orlando” do Adnet que questiona algumas práticas e posições da Classe Média brasileira, “Deus” que faz uma crítica a religião e “Viado” uma crítica clara a nossa homofobia (quase) invisível de cada dia, ambos do Porta dos Fundos, são símbolos dessa “nova” geração.

Leia também:
Racismo explícito no Zorra Total relembra humor segregacionista dos EUA
Racismo na TV faz-nos rir dos crimes mais chocantes da nossa história

Como esperado, ao romper com a forma tradicional e não usar seu foco em quadros desrespeitosos com minorias e afins, os novos grupos – que não são tão novos assim –se tornaram alvo dos viúvos do humor falido que os acusam de “petistas” (principalmente após o vídeo do Porta dos Fundos que satiriza as delações premiadas da Operação Lava Jato), de comunistas e toda aquela gama de seis ou sete xingamentos que a direita decorou pra todas as discussões que lhes exige argumento. No entanto, o trabalho está sendo feito e cada vez mais o novo – e inteligente – humor vai deixando o velho cada vez mais velho, passado e esquecido. Mas as viúvas do velho humor ainda estão por aí culpando o “mundo chato” de hoje pelo insucesso de suas velhas piadas prontas.

*Saullo Diniz é graduando em Geografia pela UFRJ e colunista em Pragmatismo Político

Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook.

Recomendações

COMENTÁRIOS