Redação Pragmatismo
Política 26/Abr/2016 às 12:21 COMENTÁRIOS
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O papel do vice-presidente na história política do Brasil

Publicado em 26 Abr, 2016 às 12h21

No Brasil, até 1960, votávamos separadamente, para presidente e para vice. A traição de Temer a Dilma e à soberania popular mostra como juristas e políticos que fizeram a ditadura abriram uma ferida difícil de cicatrizar ao depor Jango

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Pedro Aleixo, vice de Costa de Silva, Itamar Franco, de Fernando Collor e Michel Temer, de Dilma Rousseff (Imagem: Pragmatismo Político)

Haroldo Ceravolo Sereza*, Opera Mundi

Até 1960, votávamos separadamente, para presidente e para vice. Jango foi eleito vice de Jânio, apesar de ser de outro partido. Mas aí Jânio renunciou em 1961 (não por pressão de Jango, mas de Carlos Lacerda, que o ajudara a se eleger) e não deixaram Jango assumir. Jango ganhou o plebiscito do presidencialismo e foi derrubado por quem não aceitou o resultado das urnas.

Durante a ditadura, havia vices decorativos de verdade. Pedro Aleixo era vice de Costa e Silva, que morreu. Não deixaram que o civil assumisse. Aureliano Chaves, vice de João Batista Figueiredo, sonhava em ser sucessor do general, mas não conseguiu nem disputar a convenção do partido, PDS, pois o preferido das casernas era o ministro dos Transportes, o coronel Mário Andreazza.

Tancredo Neves, então do PMDB, montou uma chapa para ganhar com um vice que saiu do PDS, Sarney. Na posse, a interpretação da Constituição que prevaleceu foi a do magistradíssimo ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, que dirigira o DOI-Codi (sangue, trevas, tortura) do Rio de Janeiro.

Para o general, “a constituição era clara: Sarney deveria assumir“. Não, a Constituição dizia que Ulysses, presidente da Câmara, devia assumir, achavam alguns juristas, ou pelo menos não era clara, alegavam outros. Mas a interpretação do Exército prevaleceu… “Curiosamente“, era a mesma Constituição que não prevaleceu com o vice Pedro Aleixo.

Itamar foi eleito vice de Collor num sentido inverso. Collor era o candidato da ditadura, que para se eleger precisou do aval da democracia. A queda de Collor é o marco, na minha opinião, mais correto para o fim da ditadura, que foi civil nos governos Sarney e Collor.

Collor não conseguiu governar porque era um presidente da ditadura que vivia sob uma Constituição (1988) democrática. O sequestro da poupança via Medida Provisória reproduz o modo de impor leis dos Atos Institucionais (todo mundo lembra do AI-5, mas foram 17 na ditadura toda, fora a Constituição imposta em 1967). Aliás, a MP, “sugestão” de Sarney para a Constituição de 1988, dava muito mais poderes ao presidente que os decretos-lei que substituía. Seu poder acabou sendo pouco a pouco limitado na democracia, e Dilma é a que enfrenta mais restrições para usá-la.

Para além da questão técnico-jurídica das pedaladas, a derrubada de Dilma é um golpe porque significa a imposição de um vice, sabidamente golpista (já dizia isso em 2010, no primeiro turno), pela via indireta, apesar de Dilma representar claramente uma escolha popular, pelo voto. Ela venceu as eleições e vem governando dentro das regras institucionais previstas na Constituição, sobretudo nas questões políticas.

Ninguém que votou em Dilma é responsável pela adesão explícita de Michel Temer ao golpe. Não votei nele porque quis, mas porque fui obrigado a isso. Ele, por sua vez, tem obrigações que não está cumprindo, ou seja, de respeitar a Constituição (explícita) e de lealdade (implícita) à Presidente.

Não adianta culpar o eleitor de Collor pelo sequestro da poupança. O eleitor de Collor mudou de posição e o país avançou em direção à democracia.

Os deputados federais, hoje, e o eleitor de Aécio podem fazer o mesmo agora e não apoiar a traição de Temer à soberania popular. Assim, ganha a democracia.

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*Haroldo Ceravolo Sereza é jornalista e um dos autores do livro “À espera da verdade – Empresários, juristas e elite transnacional – civis que fizeram a ditadura militar”.

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