Redação Pragmatismo
Corrupção 29/Mar/2016 às 15:12 COMENTÁRIOS
Corrupção

O golpe de meio bilhão do condutor do impeachment

Publicado em 29 Mar, 2016 às 15h12

O sultão e seu golpe de meio bilhão de reais: como Eduardo Cunha, condutor do impeachment, agenciou “bancada da mala”, com 200 deputados. Detalhes são pitorescos: gastos milionários em hotéis, restaurantes, lojas de grife

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Eduardo Cunha, presidente da Câmara, sua filha, Danielle Cunha e sua mulher, Cláudia Cruz, ex-jornalista da Globo (reprodução)

Mauro Lopes, Caminho Pra Casa

O processo de impeachment contra a presidenta Dilma é um golpe em dois sentidos: político e financeiro. Não tem qualquer traço de legalidade. Há um trem pagador de mais de R$ 500 milhões de reais (meio bilhão) que patrocina o golpe contra uma presidente eleita e contra a qual não pesa sequer uma acusação de corrupção. O trem pagador tem um maquinista, Eduardo Cunha.

Segundo documentos do Ministério Público da Confederação Suíça enviados à Procuradoria Geral da República, o esquema suíço liderado por Cunha com outros participantes movimentou R$ 411 milhões em 29 contas bancárias entre 2007 e 2014 (o valor não inclui, portanto, o ano de 2015). Isso é apenas uma fração, aquilo que foi identificado Suíça. Há ainda o dinheiro não localizado na própria Suíça e mais uma série de paraísos fiscais não mensurados neste montante.

Entrevistado pelo programa Espaço Público TV Brasil da EBC em novembro de 2015, o ex-ministro Ciro Gomes estimou que, deste volume imenso de recursos, Cunha usou R$ 350 milhões para montar seu próprio bloco parlamentar: “Eduardo Cunha roubou algo ao redor de meio bilhão de reais e deve ter distribuído uns 350 (milhões de reais) por uns 150 a 200 picaretas” – assista e veja a afirmação de Ciro sobre a montagem da bancada de Cunha, a tropa de choque do impeachment, aos 8min05 da entrevista. Se as contas de Ciro estiverem corretas (e use-se o número mais modesto, 150), Cunha repassou algo como R$ 2 milhões para cada um de seus apoiadores apenas na “operação Suíça”.

Mas não é só. Como a planilha da Odebrecht já deixou patente, Cunha é padrinho de muitas outras doações. A planilha indica o poder de Cunha como intermediário. Tomo emprestada a formulação da jornalista Helena Sthephanowitz no blog da Helena, na Rede Brasil Atual sobre o assunto: “Eduardo Cunha aparece como beneficiário de uma doação do Grupo Odebrecht de R$ 1,1 milhão para seu partido, o PMDB. Se foi ou não devidamente registrada é outra discussão e deverá ser objeto de novas investigações. O curioso é ele aparecer como ‘padrinho’ de uma doação bem maior, de R$ 3 milhões, para o diretório nacional do PSC, atual partido do deputado Jair Bolsonaro. Cunha aparece também na planilha como ‘padrinho’ de outra doação, de R$ 900 mil, para o PR. Ou seja, só por essas indicações na planilha, em 2010 Eduardo Cunha operou como captador de R$ 5 milhões – isso apenas junto ao Grupo Odebrecht – para três partidos, justamente os que em Brasília compõem a chamada ‘bancada do Cunha’, ou seja, o grupo de parlamentares de vários estados que acompanha fielmente a liderança do atual presidente da Câmara em todas as votações.”

É impressionante. Cunha apadrinha R$ 5 milhões apenas na planilha de uma empreiteira em uma eleição. É a bancada da mala, estimada por Ciro Gomes em 150 deputados. Fiéis a Cunha até o fim – enquanto ele continuar doando, é claro. É disparadamente a maior bancada da Câmara, praticamente o dobro do maior bloco parlamentar da Casa, que conta com 87 deputados (PP, PTB, PSC e PHS).

É a tropa de choque de Cunha, majoritária na Comissão do Impeachment e capaz de tudo para impedir o prosseguimento do processo contra o “capo” na Comissão de Ética.

Mas há mais, muito mais dinheiro para comprar o impeachment de Dilma. Segundo o deputado Paulo Pereira da Silva, “tem muita gente querendo financiar esse negócio do impeachment”. Ouça aqui. É só o parlamentar interessado sinalizar que a grana aparece, segundo o deputado, conhecido como Paulinho da Força, líder do partido Solidariedade e que conhece um tipo de solidariedade que o fez réu em processo por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e crimes contra o sistema financeiro e figura em mais três inquéritos – ele está na comissão do impeachment, por óbvio.

Cunha é algo como um herói, um ícone para Paulinho. Na mesma gravação em que afirmou que está chovendo e vai continuar a chover nas hortas dos deputados golpistas, ele fez questão de ressaltar que “esse negócio (isso mesmo, “negócio”) do impeachment tá indo, eu vou falar a verdade, por causa do Eduardo Cunha. O impeachment só tá acontecendo por causa do Eduardo Cunha.” Paulinho está certo. Retire-se Cunha e o processo de impeachment terá enorme dificuldade de seguir adiante, sem o devido combustível.

O cenário da Câmara dos Deputados é desolador e faz do Brasil o centro de um escândalo ao redor do mundo. O condutor do processo, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é réu numa ação no Supremo por recebimento de propina e distribuiu recursos da ordem de centenas de milhões de reais; 61% dos deputados da comissão encarregada do processo receberam R$ 9 milhões de empresas investigadas na operação Lava Jato (leia aqui); 31 dos 130 integrantes da comissão (titulares e suplentes) respondem a inquérito ou ação penal no Supremo, acusados de formação de quadrilha, corrupção e lavagem de dinheiro, entre outros crimes.

O relator da comissão do impeachment, deputado Jovair Arantes, é funcionário (ops, aliado) de Cunha. Atua no Conselho de Ética como um coronel do exército de Cunha nas manobras para paralisar o processo contra o chefe. Assumiu a relatoria do impeachment apenas depois de garantir aos golpistas que condenará Dilma. Jovair é um aliado de valor: teria cobrado R$ 4 milhões apenas para apoiar a recondução ao cargo do presidente da Agência Goiana de Meio Ambiente. Quem veiculou a denúncia? É até engraçado, mas foi a Veja! Isso mesmo, Veja desceu o cacete no deputado em 2012, quando considerava que isso prejudicava o governo do PT. Disse a revista na ocasião: “Num documento de 24 páginas assinado e entregue formalmente ao Ministério Público em dezembro passado, ele diz que, quando estava de saída da agência ambiental, ouviu uma proposta nada ortodoxa: Jovair, a quem caberia indicar o novo presidente do órgão, pediu 4 milhões de reais para apoiar sua recondução. ‘O deputado queria R$ 4 milhões para que o infraescrito fosse indicado para continuar na titularidade do órgão público’, escreveu”. Está tudo no link aqui, mas como Jovair agora é da famiglia dos Civita, não se sabe até quando estará no ar.

O crime contra o país acontece em clima de farra no Congresso – e numa escalada fascista sem precedentes na sociedade de nas ruas.

Farra para Cunha e os seus

E que farra. A Procuradoria Geral da República (PGR), na denúncia apresentada ao Supremo contra Cunha em 4 de março de 2016 apresentou a vida de sultão de Cunha ao país (não, ao país não, porque a Globo e suas congêneres de menor expressão preferiram silenciar sobre o que você lerá a seguir pois, afinal, o pedalinho era mais importante). A expressão “vida de sultão” foi um preciso achado da reportagem de El País sobre a denúncia da Procuradoria.

Os números são dignos de um sultão mesmo, é só ir à denúncia, ler e deixar o queixo cair:

Virada de 2012/2013 – Em nove dias, numa viagem a Miami para a passagem de ano (entre 28 de dezembro e 5 de janeiro) Cunha, mulher e filha torraram R$ 170 mil. Isso mesmo! Mais de R$ 18 mil por dia (a cada dia ele gastou mais do que o salário mensal de um parlamentar à época, de R$ 17.794,76). Em Miami, a gastança foi antológica. Tudo em nove dias (a seguir apenas alguns exemplos dos gastos): almoço e jantar em restaurantes em Miami Beach em 28 de dezembro pela bagatela de R$ 7.500; uma refeição para celebrar o início de 2013 com a família no restaurante Prime Italian, em 01 de janeiro, no valor de R$ 6 mil; outras contas de valor similar em diversos restaurantes; apenas no dia 29 de dezembro, R$ 24.520 em comprinhas na Saks e na Salvatore Ferragamo. Mas não foi suficiente. Em 2 de janeiro, mais comprinhas, agora na Giorgio Armani e Ermenegildo Zegna, duas das grifes mais requintadas do planeta, somando outros R$ 20.504. Parece mentira, não é? Mas tudo registrado nos cartões de crédito do futuro “capo” do impeachment.

2013 estava apenas começando – em fevereiro, depois do festival Miami, Cunha, que não é de ferro, foi a Nova York. O ritmo não se reduziu. Entre 9 e 12 daquele mês, a PGR flagrou gastos de R$ 36.732 entre hotel, restaurantes e as grifes preferidas de Cunha. O atual presidente da Câmara é rápido no gatilho; dia 12 de fevereiro a gastança começou cedinho em NYC e continuou à noite em Zurique, na Suíça (ah, a Suíça): entre a noite de 12 e a manhã do dia 15 de fevereiro, a conta ficou em R$ 18.716. Mas não foi tudo: na noite de 15 de fevereiro, lá estava ele sentado à mesa do Le Grand Vefour, em Paris, para uma refeição de R$ 9.984. No dia 16, pagou R$ 23.900 de hospedagem no famoso Hotel Crillon, em Paris, cidade onde chegara na véspera! Fevereiro acabara, mas em março a festa precisava continuar: no dia 25, pagou uma conta de R$ 12.288 no Hotel W. Barcelona, na cidade do mesmo nome. Não há distâncias nem limites para Cunha: em 20 de junho, lá estava ele no restaurante Russkiy Ampir, em São Petesburgo (Rússia): conta de mais de R$ 12 mil. Este foi o padrão em 2013, que se repetiu em setembro, de novo em Nova York.

Os sapatos de Cunha – o presidente da Câmara gosta de conforto para os pés. Parece que estava adivinhando que seria eleito presidente da Casa e tratou de cuidar dos pezinhos. Em setembro de 2013, em Nova York, torrou R$ 32.464 na loja de sapatos masculinos Prada Abbigliamento. Isto em apenas uma compra de sapatos. Podemos imaginar que Cunha não parou por aí, mas os documentos da PGR não alcançam outras aquisições de lotes de sapatos. Mas grifes como Zegna e Ferragamo, suas preferidas, têm linhas de calçados que não devem ter escapado ao seu interesse.

2014 – Cunha não parava – e não parou até hoje. Atravessou o Atlântico já em janeiro de 2014 para continuar a festança com o seu dinheiro em Paris. No dia 12, pagou uma conta de quase R$ 40 mil reais no Hotel Meurice, na Cidade Luz, sem contar as comprinhas de sempre. Em março, já estava em Roma, logo depois em Veneza e Florença – entre 2 e 7 daquele mês, lá se foram mais R$ 37 mil só em hotéis, algo como R$ 6.200 de diárias. Como Cunha não é de ferro, não custava nada (para ele) uma esticadinha à terrinha. Dia 8 de março lá estava o comandante das forças contra a corrupção em Cascais, porque afinal em Portugal é tudo mais barato, não é? Mais R$ 9.472 em dois dias de hospedagem no Grande Real Villa Hotel (quase uma pechincha para o deputado, que pagara diárias superiores a R$ 6 mil apenas dois dias antes na Itália!). Não, não acabou. Em abril, o sultão certamente sentiu-se em casa: mais R$ 23.708 no hotel Burj Al Arab, em Abu Dabi.

2015 – Até o início do último ano, Cunha não era ainda presidente da Câmara. A eleição, em 1 de fevereiro de 2015, não constrangeu o sultão. Lá estava ele, 15 dias depois de sua eleição, cuidando de renovar o guarda roupa em Paris. Uma conta de mais de R$ 32 mil reais na Textiles Astrum France. Hospedagem? Nada de monotonia. O Crillon, em 2013, e o Meurice, em 2014, não estavam à altura do terceiro homem na linha sucessória: era chegada a hora do Plaza Athenee! Cinco noites por R$ 63.520 (quase R$ 13 mil a diária). Era preciso mesmo celebrar, e de novo na terrinha, mais uma conta de quase R$ 6 mil reais por uma refeição no restaurante Os Arcos, em Paço D’Arcos e de novo no Grande Real Villa Hotel, em Cascais (ele gostou!): mais R$ 11.700.

A singeleza da mulher de Cunha, Cláudia – nada de listas extensas. Só os destaques. Em 2014: em Paris, em janeiro, R$ 30.828 na Chanel e mais R$ 16.736 na Charvet Place Vêndome (só os destaques, lembre-se); em Roma, em março, R$ 17.988; em Lisboa, também em março, outros R$ 14.144 na Louis Vuitton; e, claro, Dubai –R$ 15.196 na Chanel. Os destaques de 2014 (só os “high lights”!) somaram quase R$ 100 mil reais em roupas, sapatos e bolsas. Chanel é sempre Chanel: pra a grife, quase a metade, R$ 46.024. Importante mencionar duas compras de 2015 porque, afinal, o maridão estava eleito presidente da Câmara e era preciso caprichar e pensar nele; na favorita Charvet Place Vêndome com suas opções para homens e mulheres, R$ 26.148; e mais R$ 6.704 em gravatas na Hermès pra Cunha fazer bonito presidindo a Câmara. Tudo em fevereiro, um mês de compras pra família Cunha (junto com março, setembro, outubro, dezembro e janeiro compõem o semestre dourado dos cunhas anualmente).

A filhinha Danielle e suas delícias – a lista é enorme e tá cansando, começa a ficar monótono. Mas vale o registro que mocinha não deixou barato. Da extensa lista de Danielle, três que merecem realce: em janeiro de 2014, enquanto papai e mamãe passeavam na Europa, ela gastou quase R$ 21 mil na Chanel, em Nova York; mais R$ 20 mil na Neiman Marcus em Orlando, em abril do mesmo ano; e mais R$ 18.508 na Fendi em Nova York – afinal, Europa é pra velhos, não é?

Cunha gasta como um sultão. É o sonho de todos os manifestantes dos domingos na Paulista, das matilhas fascistas, dos pequenos, médios empresários e até alguns grandes empresários, dos parlamentares e jornalistas a serviço do golpe: querem todos gastar como sultões. Por isso Cunha desperta uma relação mal escondida de inveja e admiração: pois ele de verdade gasta como um sultão.

É um sultão que presta serviço ao ódio dos que desejam ser sultões como ele, mas, sobretudo, preferem a morte a ver um país em que os ricos tenham de abrir mão de parte de sua fortuna para que os pobres possam viver com dignidade. Preferem a morte a ter de abrir mão de farras como a de Cunha – ou do “direito” de sonhar com elas.

Não há solução para o escândalo da presença de Cunha à frente da Câmara no interior do próprio Congresso – sua bancada é a maior da Casa. Só há duas soluções possíveis para o caso Cunha no âmbito da democracia: as ruas ou o Judiciário.

Cunha é o que é. A imprensa faz de conta que não vê o meio bilhão do sultão e sua máquina de fazer bancada. Prefere cuidar dos pedalinhos do torneiro mecânico.

O golpe em marcha, entre centenas de milhões de reais, ódio, farra e um condutor: o sultão.

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