Redação Pragmatismo
Dilma Rousseff 23/Mar/2016 às 12:26 COMENTÁRIOS
Dilma Rousseff

E se Dilma sofrer o impeachment, o que vem depois?

Publicado em 23 Mar, 2016 às 12h26

Processo de impeachment não resolverá crise política, dizem especialistas. Cientistas políticos apontam a necessidade de o Judiciário não se deixar pautar pelo clamor popular. "A voz das ruas é volátil. Ora vai para um lado, ora vai para outro"

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(Imagem: Pragmatismo Político)

Em tramitação no Congresso, o pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, independentemente do resultado, não resolverá a crise política vivida pelo país, avaliam cientistas políticos ouvidos pela Agência Brasil. Para os especialistas, a polarização da política e a descrença da população nos partidos políticos permanecerão após o desfecho do julgamento do impedimento da presidenta.

O cientista político e professor titular do curso de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carlos Ranulfo, considera a constitucionalidade do procedimento discutível, mas ressalva que, por si, o impeachment não representa risco à democracia. “Estamos discutindo o afastamento de um presidente sem base jurídica para tanto. É diferente o afastamento político do afastamento por crime de responsabilidade. Mas não há crime de responsabilidade que possa ser imputado a Dilma. É uma violência à Constituição“, disse Ranulfo.

O cientista político, antropólogo e sociólogo da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Flávio Testa discorda e afirma que o pedido de impedimento de Dilma tem “ótima fundamentação”. “As ‘pedaladas fiscais’ foram julgadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e configuram crime de responsabilidade“, afirmou. Antonio Flavio disse acreditar que o momento político brasileiro fortalecerá a democracia e as instituições.

De acordo com o cientista político e professor do curso de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Maurício Santoro, no entanto, diferentemente do processo que resultou no impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que, segundo ele, unificou o país e fortaleceu a democracia, no caso da presidenta Dilma Rousseff o resultado deve provocar ainda mais tensionamento.

O processo contra o Collor fortaleceu a democracia. Tínhamos uma visão de que aquele impeachment era necessário. (Hoje) embora pesquisas demonstrem grande apoio ao impeachment, a base legal do pedido é bastante controversa. Não há, como houve no Collor, uma prova de que ela tenha recebido ou sido beneficiada pela corrupção“, comparou Santoro.

Para ele, o clima de divisão política pode resultar, no Brasil, em um desfecho semelhante ao ocorrido na Itália, com a eleição de Silvio Berlusconi, após a Operação Mãos Limpas. “O momento de hoje no Brasil tem semelhanças com o que aconteceu na Itália após a Operação Mãos Limpas, que resultou na condenação de vários políticos. Porém, o resultado não foi uma democracia mais sólida, mas a ascensão de Berlusconi, que representou a expressão: se você não acredita na política, vote em mim. Mesmo dentro da democracia, a aversão ao sistema pode gerar coisas muito estranhas“, afirmou.

Na visão da cientista política da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) Maria do Socorro Sousa Braga, a não observância dos preceitos constitucionais na análise do impeachment pode agravar ainda mais as disputas políticas nas ruas.

A democracia vai seguir, independentemente do resultado. No entanto, se não forem observadas as questões legais e se outras lideranças não forem punidas, por exemplo, com certeza podemos ter uma guerra civil. Nossas autoridades têm que ser responsáveis“, disse a cientista.

Manifestações

Apesar de ressaltar o caráter democrático das manifestações, Carlos Ranulfo ressaltou que o Congresso e, principalmente, o Judiciário não devem se deixar pautar pelo clamor popular. “Nenhuma democracia funciona com base na voz das ruas. Ela não te diz para onde ir, nem fundamenta a democracia. Cito o exemplo da Venezuela do Hugo Chávez. A voz das ruas é volátil. Ora vai para um lado, ora vai para outro. É um protesto, não fundamenta nada. Por isso que a Justiça não pode se pautar pela voz das ruas. A voz das ruas não faz as leis“, frisou o professor da UFMG.

De acordo com Maurício Santoro, nos últimos anos a pesquisa Latinobarómetro, feita por uma organização não governamental chilena que estuda a opinião pública em 18 países da América Latina, tem registrado uma oscilação do percentual de brasileiros que consideram a democracia o melhor sistema. Reflexo, conforme o professor da Uerj, da descrença de parte da população nos partidos.

Para ele, isso reforça ainda mais o papel do Judiciário neste cenário de crise. “Estamos vendo nos protestos um número expressivo de pessoas com faixas, cartazes expressando sentimento de crítica à democracia e de nostalgia à ditadura. O Poder Judiciário não é eleito por uma razão importante: a gente precisa de autoridades que não respondam aos anseios das ruas – para proteger os direitos das minorias. A democracia é o respeito à vontade das maiorias, mas sem desrespeitar o direito das minorias“, observou Santoro.

Na avaliação da professora Maria do Socorro Sousa Braga, a ida da população às ruas é importante e reforça a percepção sobre os deveres políticos. “É uma forma de mostrar sua insatisfação. E é ainda mais importantes porque as manifestações têm ocorrido sem violência, de forma pacífica e politizada. Sinal de democracia madura, seja de um lado ou de outro“, acrescentou a cientista política da UFSCar.

Ivan Richard, Agência Brasil

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