Delmar Bertuol
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Direita 16/Fev/2016 às 11:56 COMENTÁRIOS
Direita

A paixão do Aderlado

Delmar Bertuol Delmar Bertuol
Publicado em 16 Fev, 2016 às 11h56
paixão direita esquerda ódio conservadorismo

Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político

O Adelardo era de direita. Muito de direita. Tão de direita que dizia que não era de direita porque essas coisas de esquerda, centro e direita não existem mais. E alegava que as pessoas deviam se unir pra acabar com a esquerda, com o socialismo, com o comunismo e com as ideias anacrônicas dos marxistas. O Adelardo era tão de direita que dizia que não era neoliberal, pois não existe mais essa coisa de neoliberalismo, de socialismo, de comunismo e de marxismo. Pro Adelardo, o que deveria existir era um movimento que unisse os brasileiros de bem pra, num ato democrático, pedir a volta da Ditadura.

Mas bota de direita nisso. A maior frustração do Adelardo nem foi a eleição e, Deus do Céu, a reeleição do Lula. A maior frustração do Adelardo era ser canhoto. Seguidamente derrubava cerveja na sua camisa polo, pois, no alto de sua etilicidade, tentava pegar o copo com a mão direita. Uma vez, bêbado que já tava, derrubou molho de coxinha na sua Hugo Boss novinha. Os bodegueiros lhe implicavam. Diziam que estava entre amigos. Que se assumisse como de direita. Mas qual. Insistia que não tinha ideologia, enquanto defendia a privatização de todas as estatais. E dos presídios também. Deviam, os presos, trabalharem forçosamente abaixo de cassetadas.

Uma vez estavam no bar. Todos meio bêbados. O Adelardo já tentado a pegar o copo com a mão direita – alegava que esquecia que era canhoto-. Dali a um pouco entra uma moça. Uma linda moça de cabelos cor de terra que lhe desciam pelas costas até palmo e meio a partir do pescoço. O Adelardo boquiabertou-se. Era uma moça de seus vinte e poucos anos. Regulava com a idade do Adelardo, que era solteiro. Tinha o andar de uma menina adolescente e um ar despreocupadamente pueril. O Adelardo fitou-a num pronto, enquanto ela comprava água com gás.

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Mas passados os primeiros momentos do êxtase alucinado, o Adelardo percebeu. Como não via antes? Ela segurava uma bandeira do MST. Nossa Senhora do Livre Mercado. Uma moça tão bonita destas andando com esses vagabundos que vivem a invadir terras alheias que foram com muito suor e trabalho conquistadas? Nossa Senhora da Meritocracia, será que ela, esta divina beleza, faz parte desse odioso movimento que sai por aí a destruir as pesquisas de transgênicos, tão úteis pra disseminar a fome no Mundo – conforme lera numa revista semanal qualquer-? Decerto que só não tem adesivo do PSTU no carro porque ela não tem carro e nem o PSTU tem adesivo.

Alguém puxou assunto. A moça respondeu que sim, estava se dirigindo à manifestação pela democracia, contra a corrupção, a favor da taxação das grandes fortunas, pela reforma agrária, e, segundo soou ao Adelardo, blablablá. Algum bêbado provocou. Pois então, moça, dê uma aula a esse sujeito que está derrubando cerveja na Calvin Klein verde e amarela (tão patriótico o Adelardo), sentado ali. Desnorteado, Adelardo destrocou o copo de mão (antes que derrubasse mais cerveja ainda) e só conseguiu dizer um, rããã.

A moça não fugiu ao embate. Falou que, meu rapaz, entenda que a desigualdade social em nosso País advém do blablablá…

Enquanto a moça citava dados, números, Piketty, PSOL, Luciana Genro entre outros argumentos, Adelardo já pensava nos filhos. Antes teria o casamento, é claro. Por óbvio, ela não ia querer casar na Igreja, mas sua mãe haveria de compreender. Hoje em dia ninguém mais casa na Igreja, mãe. Mas os filhos. Se seguissem as ideias da mãe, iriam querer estudar História, Sociologia, Filosofia. E a viagem dos sonhos não será mais a América. Vão querer ir pra França, fazer intercâmbio. E os almoços de domingo? Nossa Senhora das Privatizações. Seu pai não perdoaria alguém defendendo o aborto à mesa. E a maconha. Certo que ela fuma maconha. Tudo bem que o Adelardo já tinha fumado maconha. Quem nunca experimentou maconha uma ou oito vezes? Mas é sabido que maconha é a porta de entrada às outras drogas mais pesadas e que destroem as famílias de bem deste País.

Estava decidido. Resolutamente decidido. Não poderia pôr seu nome, sua honra, sua sensatez, seu status de Cidadão de Bem Deste País a perder. Não por uma militante do PC do B, PCO, PSOL ou coisa que os valha. Essas pessoas querem acabar com a democracia brasileira. Ele haveria de encontrar outra mulher que lhe merecesse. Alguém que fosse à missa dominical, que tivesse fumado maconha, tudo bem, mas que não saía por aí defendendo sua legalização. Pudesse essa moça até ter feito um aborto, mas que tivesse consciência de que isso não é cristão. Tivesse essa moça, a qual ele iria se apaixonar, até ter feito dois abortos, mas que tivesse a consciência (e isso é que é importante, a culpa cristã) de que recorrera ao pecado. Tinha que se apaixonar por outra guria, definitivamente. Alguém que fosse contra a união homoafetiva, segundo consta na interpretação racional da Bíblia. Deveria o Adelardo se apaixonar por alguém que não falasse a palavra homofobia, modinha hoje em dia, e nem que escrevesse presidente com A no final. Patético.

Deixou a moça argumentando os seus blablablás. Levantou-se e trocou de lugar, num encerrar de assunto. Levou a cerveja junto. Segurou o copo, convictamente, com a mão direita.

*Delmar Bertuol é escritor, membro da Academia Montenegrina de Letras, graduando em história e colaborou para Pragmatismo Político

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