Redação Pragmatismo
opinião 29/Out/2015 às 16:32 COMENTÁRIOS
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O que os “machadianos” têm a dizer sobre a atual conjuntura política?

Publicado em 29 Out, 2015 às 16h32

De Quincas Borba a Eduardo Cunha, o que os “machadianos” têm a dizer sobre a atual conjuntura política? Machado de Assis, há muito, fazia uma leitura da sociedade moderna e a sua relação com a “finitude” dos seus recursos – falemos de Brasil [...]

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Luiz Phelipe Fernandes de Freitas, Geledés

Há certas riquezas que inevitavelmente não podem ser desfrutadas por todos e a literatura realista brasileira sugeria como resultado natural desse conflito de interesses a lei do mais forte. Aperfeiçoada ao longo do tempo e afastada de um imaginário meramente fisiológico, hoje, mais atual que nunca.

Para nós, qualidade de vida, direitos e dignidade. Para as tribos de Quincas, batatas. Machado de Assis por meio dos personagens Quincas Borba e Rubião, há muito fazia uma leitura da sociedade moderna e a sua relação com a “finitude” dos seus recursos – falemos de Brasil. Você pode até imaginar uma metáfora óbvia, na qual os políticos representam uma das tribos, nós representamos a outra e nosso dinheiro, as batatas. Mas não. Somos o avesso do humanitismo Machadiano. Cultuamos essa “guerra” pelos recursos e saldamos os vitoriosos, sem ao menos fazer parte de qualquer dos lados, embora sejamos os cultivadores do tubérculo.

Não vim aqui falar só de literatura. Antes fosse. O enredo é até semelhante, os personagens é que não são fictícios. Nas terras (já não mais) tupiniquins, uns governam, outros resistem, outros assistem, ninguém colabora. No primeiro capítulo do ensaio, a reação do povo, personagem que não participa da guerra, mas entrega batatas.

– PSDB protocola pedido de cassação do mandato de Dilma.
– TCU aponta “pedaladas fiscais” que podem gerar impeachment.
– Eduardo Cunha aprova análise de pedido de impeachment.
– Hélio Bicudo e Miguel Reale protocolam pedido de impeachment na Câmara.
– Internautas criam petição online pro- impeachment para incentivar parlamentares.
– Cunha rejeita um dos quatro pedidos de impeachment.
– TSE retoma pedido de cassação de mandato de Dilma.
– Oposição realiza abaixo-assinado para manifestar desejo de impeachment.
– Surge movimento parlamentar Pro- impeachment (com site institucional e tudo mais).
– TCU avalia contas e tomará decisão que pode gerar impeachment da presidente.

À nossa revelia seletiva, há que se indagar o acontecimento de outros fatos…

-Quem está discutindo se o Cunha (que bem poderia ser o Brás Cubas ainda vivo) pode perder o cargo pelas contas (inclusive já bloqueadas) que mantém irregularmente na Suíça?

http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,suica-confirma-cunha-foi-informado-sobre-congelamento-de-seus-ativos,1775162%5D

-Quem está observando a Câmara facilitando dívidas de outros entes com a União (o que agrava a situação financeira desta)?

-Quem reclamou quando o Senado aprovou o PERDÃO de 2 bilhões (isto é 10 VEZES mais que toda a economia gerada com a proposta da reforma ministerial) para planos de saúde?

-Quem achou um desperdício a Medida Provisória aprovada na câmara e negligenciada no senado que propõe (embora alguns aumentos de tributos) a criação de um shopping para os parlamentares orçado em 1 BILHÃO?

http://oglobo.globo.com/brasil/senado-aprova-ultima-mp-do-ajuste-fiscal-mas-se-rebela-contra-parlashopping-16286423

– Quem consegue lembrar que os crimes da Lava-Jato – aquele grande “esquema do PT” contra Petrobras (sic) – envolveu PP, PMDB e PSDB (inclusive com repasses ao ex-presidente do PSDB, Sérgio Guerra)? [Aqui não faltam fontes, mas esse texto condiz com o assunto:

http://jornalggn.com.br/noticia/lava-jato-1%C2%AA-condenacao-envolve-supostos-desvios-para-psdb-pp-e-psb

– Quem está preocupado com o aumento dos salários e benefícios que o congresso tem votado em benefício próprio? E que pode gerar efeito cascata nos Estados.

– Quem está de olho na constante pauta de reajuste de vencimentos de servidores públicos de carreira? Reflitamos: A advocacia pública sofria defasagem salarial? Sim. Os servidores do judiciário, MP (Ministério Público) e MP de Contas sofrem com ausência de reajuste e perda real do valor dos seus vencimentos? Sim. Todas as carreiras devem, no decorrer do tempo, serem beneficiadas por reajustes, acompanhando o processo inflacionário e inseridas em um processo de valorização institucional linear? Sim. Ocorre que, o surgimento desse tipo de pauta este ano com as contas como estão e com o impacto que elas podem gerar, não é apenas uma coincidência.

http://www.brasilpost.com.br/2015/08/06/derrota-governo-na-camara_n_7946584.html

“ Não é só nas ações que a consciência passa gradualmente da novidade ao costume, e do temor à indiferença. Os simples pecados de pensamento são sujeitos a essa alteração, e o uso de cuidar nas coisas afeiçoa tanto a elas, que, afinal, o espírito não as estranha, nem as repele.”

Com o que estamos preocupados, afinal? Sejamos mais criteriosos. Essa “síndrome de Estocolmo” que alimentamos com a oposição do “pró-impeachment” – enquanto eles adotam uma série de medidas que, para prejudicar a governança do executivo federal, atinge diretamente a população – no mais sutil dos eufemismos, não parece sábio. Seríamos Rubião cultivando afeto por Cristiano e Sofia*? [personagens da obra de Machado de Assis, onde aquele primeiro, inundado pela confiança ingênua depositada nos dois últimos, é reduzido à ruína].

Permitam-me um palavreado popular: Se o barco afunda, você vai junto! Quem ganha? Com certeza ganha o Vice, o partido dele, seus aliados e os que se articularem para o novo mandato. Nada ganhamos eu e você. Contudo, vamos ao óbvio (que negamos): Pode tirar a Dilma e colocar o Obama e a Angela Merkel para governar o Brasil que não haverá “a solução” para o problema econômico.

Mesmo se um franciscano assumir no lugar da Dilma, ele também terá de adotar medidas de austeridade (que machucam a população) para pagar as contas (e sim, boa parte delas resultado de escolhas do Partido dos Trabalhadores, mas manifeste este inconformismo na eleição), e o motivo é o de que essa conversa de reduzir o próprio salário e cortar ministérios (embora atitude necessária e correta!) tem impacto irrisório na resposta bilionária que precisa ser dada às contas públicas.

Digo-vos com honestidade que não faço uma defesa ao governo de Dilma, mas um apelo à sociedade! Qual seja: E-v-o-l-u-a-m-o-s.

“…não há serenidade moral que corte uma polegada sequer às abas do tempo”

O inconformismo com o PT é válido. Os erros na política financeira realizada pelo partido na última década são evidentes. Mas quando a prioridade é apenas impedir a Dilma Roussef de governar, defende-se um suicídio político-social. Esta inquietação ideológica podemos externar em 2018. Por enquanto, paremos de defender um congresso (pró-impeachmt) que aumenta os gastos do país apenas para prejudicar o governo, como se prejudicar o governo não fosse a mesma coisa que prejudicar a minha vida e a sua. Saiba que se a possibilidade de ajustar as contas se tornar cada vez mais distante e dificultosa, mais distante também será a nossa possibilidade de deixar de sentir a crise que ela suscita (e tem custado caro).

Priorizemos o mínimo de raciocínio político em detrimento das nossas paixões. Por paixão, Rubião de “Quincas Borba” perdeu toda a sua fortuna e morreu enxergando-se afortunado, mesmo que vítima da própria ingenuidade em meio a uma sociedade de máscaras, que usufruía de riquezas que vieram do acaso – à filosofia humanitista empregada na obra, a moral não é pressuposto da convivência, mas pelo contrário. A dissimulação e o convencimento é subterfúgio para a manutenção de uma relação de domínio (ainda que ideológico).

“Ao vencedor, as batatas” exclamou Rubião antes de falecer como miserável, acreditando sê-lo Imperador Francês. De olhos abertos e desconfiando dos bem intencionados, fujamos das consequências enquanto há tempo.

“Antes de principiar a agonia, que foi curta, pôs a coroa na cabeça, — uma coroa que não era, ao menos, um chapéu velho ou uma bacia, onde os espectadores palpassem a ilusão. Não, senhor; ele pegou em nada, levantou nada e cingiu nada; só ele via a insígnia imperial, pesada de ouro, rútila de brilhantes e outras pedras preciosas.”

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