Redação Pragmatismo
Religião 14/Jul/2015 às 12:39 COMENTÁRIOS
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Papa Francisco fala sobre 'crucifixo comunista' que recebeu de Evo Morales

Publicado em 14 Jul, 2015 às 12h39

Papa Francisco desmente rumores espalhados por religiosos e conservadores de que teria se ofendido com o 'crucifixo comunista' recebido do presidente da Bolívia, Evo Morales. O pontífice comentou pela primeira vez sobre o incidente polêmico, que foi alvo de críticas durante toda a semana

Papa Francisco Evo Morales
O Papa Francisco e o presidente da Bolívia, Evo Morales (AFP)

O papa Francisco negou nesta segunda-feira (13/07) que tenha se sentido ofendido com o crucifixo dado como presente pelo presidente da Bolívia, Evo Morales, na última quarta (08/07).

“Entendo esta obra e a considero uma expressão de arte de protesto. Não foi uma ofensa para mim e há opiniões erradas se espalhando por aí. Trouxe a obra comigo para o Vaticano”, disse o líder da Igreja Católica dentro do avião que o levou de volta à Itália.

Morales deu ao Papa um crucifixo de madeira com um Cristo sobre uma foice e um martelo, símbolo que remete ao comunismo, durante um encontro oficial em La Paz, como parte da viagem de Francisco pela América do Sul, que incluiu paradas no Equador e no Paraguai.

Alguns religiosos consideraram o presente uma provocação e disseram que o Papa teria se ofendido com este crucifixo. A peça foi desenhada pelo jesuíta Luis Espinal, assassinado em 1980 por paramilitares de direita durante o golpe militar de Luis García Meza, que atualmente está preso por crimes contra a humanidade.

Na Bolívia, Francisco fez um dos discursos mais categóricos de seu pontificado (relembre aqui), criticando o capitalismo e exigindo mudanças no modelo econômico mundial.

Confira a seguir trechos da entrevista de Francisco em seu avião:

Stefania Falasca (Avvenire) – No discurso que o senhor fez na Bolívia aos movimentos populares, o senhor falou do novo colonialismo e falou da idolatria do dinheiro que submete a economia, e da imposição dos meios de austeridade que sempre apertam, como o senhor disse, o cinto dos pobres. Agora, há semanas, nós, na Europa, temos esse caso da Grécia e do destino da Grécia que corre o risco de sair da moeda europeia: o que o senhor pensa do que está acontecendo na Grécia e que também diz respeito a toda a Europa?

Acima de tudo, sobre a minha intervenção no congresso dos movimentos populares: é o segundo. O primeiro foi feito no Vaticano, na Aula Velha do Sínodo, havia cerca de 120 pessoas. É algo organizado pelo [Pontifício Conselho] Justiça e Paz. Eu estou perto disso, porque é um fenômeno em todo o mundo, em todo o mundo. Também no Oriente, nas Filipinas, na Índia, na Tailândia. São movimentos que se organizam entre si não só para fazer um protesto, mas também para seguir em frente e poder viver. E são movimentos que têm força, e essas pessoas, que são tantas e tantas, não se sentem representadas pelos sindicatos, porque dizem que os sindicatos agora são uma corporação, não lutam – agora estou simplificando um pouco –, mas a ideia de muitas dessas pessoas é que eles não lutam pelos direitos dos mais pobres.

E a Igreja não pode ser indiferente. A Igreja tem uma Doutrina Social e dialoga com esse movimento, e dialoga bem. Vocês viram o entusiasmo de sentir que a Igreja não está longe de nós, a Igreja tem uma doutrina que nos ajuda a lutar por isso. É um diálogo. Não é que a Igreja faz uma opção pelo caminho anárquico. Não, eles não são anárquicos: eles trabalham, tentam fazer muitos trabalhos, também com os resíduos, com as coisas que sobram. São trabalhadores de verdade. Essa é a primeira coisa, a importância disso.

Depois, sobre a Grécia e o sistema internacional: eu tenho uma grande alergia à economia, porque o papai era contador e, quando não acaba o trabalho na fábrica, ele o trazia para casa, no sábado e no domingo, com aqueles livros, daqueles tempos, em que os títulos eram escritos em gótico… E trabalhava, e eu via o papai… E tenho uma alergia. Eu não entendo bem como é a coisa, mas certamente seria simples dizer: a culpa é apenas desta parte. Os governantes gregos que levaram adiante essa situação de dívida internacional também têm uma responsabilidade.

Com o novo governo grego, chegou-se a uma revisão um pouco justa. Eu espero – é a única coisa que eu posso lhe dizer, porque não sei bem… – que encontrem um caminho para resolver o problema grego e também um caminho de supervisão para que outros países não caim no mesmo problema, e que isso nos ajude a ir em frente, porque esse caminho do empréstimo e das dívidas, no fim, não termina nunca.

Disseram-me que, há um ano, mais ou menos, mas não sei se… esta é uma coisa que eu ouvi… que havia um projeto nas Nações Unidas (se algum de vocês sabe disso, seria bom que explicasse), havia um projeto para o qual um país pode se declarar em falência, que não é o mesmo que o default, mas é um projeto que eu ouvi e que não sei como foi, se era verdade ou não. Digo isso para ilustrar como uma coisa que eu ouvi, mas se uma empresa pode fazer uma declaração de falência, por que um país não pode fazê-la, e assim se vai à ajuda dos outros?

Esses eram os fundamentos desse projeto, mas sobre isso eu não posso dizer mais nada. Depois, quanto às novas colonizações: evidentemente, vão todas sobre os valores. A colonização do consumismo. O hábito do consumismo foi um progresso de colonização. Porque é o hábito: leva você a um hábito que não é o seu e também desequilibra a sua personalidade. O consumismo também desequilibra a economia interna e a justiça social, e também a saúde física e mental, apenas para dar um exemplo.

Anna Matranga (CBS News) – Vossa Santidade, uma das mensagens mais fortes dessa viagem foi que o sistema econômico global muitas vezes impõe a mentalidade do lucro a todo o custo, em detrimento dos pobres. Isso é percebida pelos americanos como uma crítica direta do seu sistema e do seu modo de vida. Como o senhor responde a essa percepção? E qual é a sua avaliação do impacto dos Estados Unidos no mundo?

O que eu disse, essa frase, não é nova. Eu a disse na Evangelii gaudium: “Essa economia mata”. Dessa frase eu me lembro bem, há um contexto. E eu a disse na Laudato si’. A crítica não é uma coisa nova, como se sabe. Ouvi que algumas críticas foram feitas nos Estados Unidos. Eu ouvi isso. Mas eu não as li e não tive o tempo para estudá-las bem, porque cada crítica deve ser recebida e estudada, para, depois, fazer o diálogo. Você vai me perguntar o que eu penso, mas, se eu não dialoguei com aqueles que fazem as críticas, eu não tenho o direito de fazer um pensamento assim, isolado do diálogo. Isso é o que eu tenho a dizer.

O senhor agora vai aos Estados Unidos. Tem uma ideia de como será recebido, tem algum pensamento sobre a nação…

Não, devo começar a estudar agora, porque até hoje eu estudei esses três países belíssimos, que são uma riqueza e uma beleza. Agora, devo começar a estudar Cuba, porque vou para lá dois dias e meio, e depois os Estados Unidos, as três cidades do Leste – porque ao Oeste eu não posso ir –, Washington, Nova York e Filadélfia. Sim, devo começar a estudar essas críticas e, depois, dialogar um pouco.

Aura Vistas Miguel – Santidade, o que sentiu quando viu aquela foice e martelo com Cristo em cima, oferecido pelo presidente Morales? E onde acabou esse objeto?

É curioso, eu não conhecia isso e nem sabia que o padre Espinal era escultor e poeta até. Soube disso nestes dias. Quando o vi, para mim, foi uma surpresa. Segundo, pode-se qualificar como o gênero da arte de protesto.

Por exemplo, em Buenos Aires, há alguns anos, foi exibida uma mostra de um escultor bom, criativo, argentino, que agora está morto. Era arte de protesto, e eu recordo um Cristo crucificado em um bombardeiro que caía. Era uma crítica ao cristianismo aliado com o imperialismo, que bombardeia.

Então, primeiro, eu não sabia; segundo, eu o qualificaria como arte de protesto, que, em alguns casos, pode ser ofensivo. Em alguns casos. E terceiro, este caso concreto: o padre Espinal foi morto no ano de 1980. Era um tempo em que a teologia da libertação tinha muitos ramos. Um desses ramos propunha a análise marxista da realidade. O padre Espinal pertencia a isso. Eu sabia disso, sim, porque, nesses anos, eu era reitor na faculdade de teologia e se falava muito disso, os diversos ramos e os representantes.

No mesmo ano, o geral da Companhia de Jesus [Pe. Pedro Arrupe] mandou uma carta para toda a Companhia sobre a análise marxista da realidade na teologia. Um pouco freando isso e dizendo: isso não está bem, são coisas diferentes, não é justo, não está certo. E, quatro anos depois, em 1984, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou o primeiro documento, pequeninho, uma primeira declaração sobre a teologia da libertação que critica isso. Depois, veio o segundo, que abriu as perspectivas mais cristãs (estou simplificando, hein). Ou seja, façamos a hermenêutica naquela época.

Espinal era um entusiasta dessa análise da realidade marxista e também da teologia usando o marxismo. Daí veio essa obra. As poesias de Espinal também era desse gênero de protesto, mas era a sua vida, era o seu pensamento, era um homem especial, com tanta genialidade humana e que lutava. Ele tinha boa fé. Fazendo uma hermenêutica desse tipo, eu entendo essa obra. Para mim, não foi uma ofensa, mas eu tive que fazer essa hermenêutica, e digo isso a vocês para que não haja opiniões equivocadas.

Onde ficou a cruz?

Eu a trago comigo. O presidente Morales quis me dar duas condecorações, a mais importante da Bolívia e a outra é a ordem do padre Espinal, uma nova ordem. Jamais aceitei uma honorificência, não sei, não me sinto bem. Mas ele fez isso com tanto vontade, com boa vontade e com o prazer de me dar um prazer, e eu pensei que isso vem do povo da Bolívia e rezei para saber o que fazer com isso. Se eu as levo ao Vaticano, vão parar no Museu, vão acabar aí, e ninguém jamais vai vê-las. Então, pensei em deixá-las à Nossa Senhora de Copacabana, a mãe da Bolívia, que vão para o santuário, ficarão no santuário. Ao contrário, o Cristo, eu trago comigo.

com ANSA e Unisinos

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