Redação Pragmatismo
Direita 21/Nov/2014 às 12:11 COMENTÁRIOS
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Como parar a máquina do golpe?

Publicado em 21 Nov, 2014 às 12h11
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O futuro da República está nas mãos da mídia, a partir das conclusões de Gilmar Mendes (Imagem: Pragmatismo Político)

J. Carlos de Assis, GGN

O espectro de um golpe contra as instituições ronda o país, como assinalou Luís Nassif em coluna desta semana. O que se prepara, contudo, não é um golpe militar clássico. É um golpe jurídico-midiático pelo qual se tentará responsabilizar a Presidenta por alguma irregularidade inventada em suas contas de campanha e que a mídia golpista se encarregará de expandir até a dimensão de mais um escândalo a ser coroado por um impeachment. Os militares não se meterão. Ainda traumatizados com as sequelas de 64, se comportarão como guardiães da Constituição. Já os guardiães civis, o Supremo, estabelecerão a agenda conforme os ditames de sua consciência e de sua audácia.

O futuro da República não está nas mãos da Presidenta reeleita, mas nas mãos da Veja e do Sistema Globo, a partir das conclusões de Gilmar Mendes sobre as contas de campanha de Dilma. Nunca tão poucos tiveram tanto poder em relações às instituições brasileiras sem o suporte de um único voto. É o domínio absoluto do poder privado sobre o público, apoiado por uma instância burocrática do Estado que se comporta como acima do bem e do mal. O cenário favorece a aventura golpista. A escalada de corrupção na Petrobras e o espetáculo das prisões de seus diretores e empreiteiros criaram o ambiente no qual, para o povo, todos são culpados até prova em contrário, ou até mesmo com prova em contrário.

Entretanto, essa crise tem uma dimensão internacional que está passando ao largo dos debates. O tema do alinhamento internacional do Brasil surgiu na campanha com alguma clareza a partir de pronunciamentos de Armínio Fraga, o então futuro ministro da Fazenda indicado por Aécio, e de figuras como o embaixador Rubem Barbosa, assessor da Fiesp. Ambos, assim como o ex-chanceler Luís Filipe Lampreia e Paulo Sotero, criticaram e criticam abertamente a estratégia brasileira de aproximação e fortalecimento dos BRICS e da Unasul. Todos esses quatro defendem o alinhamento total do Brasil com os Estados Unidos e a Europa Ocidental, descartando os BRICS e a Unasul como diversionismo ideológico dos governos do PT.

É estranho, pois na medida em que esses ideólogos supostamente defendem, na retórica, posições favoráveis ao empresariado, na realidade estão bloqueando o único caminho que teremos, a partir de agora, para escapar do aprofundamento da recessão. Estamos no vale de um ciclo de demanda e não temos perspectiva de aumento do consumo e da produção para puxar um novo ciclo. Uma aproximação maior do que já temos com os EUA, como um tratado de livre comércio do tipo proposto por esses ideólogos, não nos traria absolutamente nada de positivo no campo das relações econômicas externas. O objetivo deles é aumentar suas vendas para nós, enquanto nós não temos qualquer perspectiva de aumentar nossas vendas para eles, seja de commodities, seja de alguns parcos manufaturados. Aliás, mesmo sem TLC já temos um gigantesco déficit comercial com os EUA, imaginem com ele.

Um TLC com a União Europeia seria ainda pior. A Europa está numa longa recessão, e nada indica que, por razões econômicas e políticas, venha a sair dela a curto ou médio prazo. O objetivo singular da política externa europeia, assim como a norte-americana, é ampliar suas vendas e gerar superávits comerciais. Não podendo, por imposição da Alemanha, fazer uma política fiscal expansiva, e à vista da armadilha de liquidez na política monetária a única esperança dos países da euroárea de aumentar a demanda para seu setor produtivo é pelas exportações. É por isso que estão desesperados por fazer um TLC com o Brasil e o Mercosul. Do lado de cá, contam com a cumplicidade de ex-diplomatas e economistas que racionalizam o interesse deles, não os nossos.

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Já o Brasil tem amplas perspectivas de integração econômica e financeira com os BRICS, puxando no mesmo movimento a Unasul. Eles já são nossos maiores importadores e continuarão a sê-lo. É essa perspectiva que incomoda Washington. O objetivo central da estratégia norte-americana nessa altura do século é cercar e confinar Rússia e China no seu círculo asiático. A participação brasileira nos BRICS, sobretudo com a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS, confronta diretamente essa política. Nossos primeiros movimentos de autonomia externa desafiam os EUA. Basta ver como foi nos últimos anos o progresso da OTAN sobre o Leste europeu para concluir que eles não medem consequências para perseguir seus objetivos estratégicos. Na verdade eles não tem qualquer escrúpulo com relação a consequências de suas políticas expansivas, como atesta a desestabilização da Ucrânia, da Líbia, do Egito, do Iraque, do Afeganistão.

Washington não precisa de intervir diretamente no Brasil para tentar desarticular os BRICS. Mas ele pode se aproveitar da crise política em curso para estimular seus aliados internos a perseguir a via do golpe já que a via da eleição se mostrou inviável. Pode dar-lhes suporte financeiro e de informação (afinal, a Petrobras foi grampeada pelo Governo americano). E pode dar a cobertura internacional que seria necessária para um golpe jurídico-midiático, formalmente legal.

Entretanto, temos que pensar nos possíveis desdobramentos. Um golpe que resultasse no afastamento de Dilma implicaria também o afastamento de dezenas de parlamentares da situação, por suposto envolvimento nas mesmas irregularidades. Seguir-se ia, pela Constituição, uma nova eleição em 90 dias. Teria de ser impedida por algum meio “jurídico” a candidatura de Lula. E teria que ser armada uma eleição com a vitória garantida de um preferido. Bom, suponhamos que no bojo de uma crise gigantesca as coisas tivessem esse curso. Como seria o novo Governo? E como se comportaria a economia? Algum idiota pode pensar que voltaríamos ao business as usual. Eu não apostaria nisso. Prefiro pensar que estou enganado ou, em último caso, que forças políticas sábias ajudem a controlar a situação, pois creio que isso ainda é possível.

*J. Carlos de Assis é economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.

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