Lucien de Campos
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Mundo 24/Out/2014 às 18:49 COMENTÁRIOS
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A Diplomacia do Petróleo fala mais alto

Lucien de Campos Lucien de Campos
Publicado em 24 Out, 2014 às 18h49

A entrada de Guiné Equatorial na comunidade de países de língua portuguesa (CPLP)

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Comunidade de Países de Língua Portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste

Lucien de Campos*, Pragmatismo Político

A CPLP reúne Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, e Timor Leste. Em julho deste ano, na cidade de Dili no Timor Leste, ocorreu a X Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP. E por unanimidade, a Guiné Equatorial foi aceita como membro pleno desta comunidade. Foi um ocorrido no qual não se comentou muito no Brasil, e que em minha opinião, deveríamos dar mais importância a este fato que julgo ser um absurdo.

Na realidade, a comunidade internacional pouco se esforçou para procurar solucionar os problemas na África. É evidente que a maioria dos cidadãos brasileiros e de outros países não tem conhecimento e nem se interessam pelo que ocorre na continente africano, muito menos especificamente em Guiné Equatorial. Contudo, para quem luta pela defesa dos Direitos Humanos, este fato é de suma importância, ainda mais quando nosso país está envolvido através de sua omissão internacional.

Antes de tudo, gostaria de resumir o atual contexto político deste pequeno país situado no litoral do oceano atlântico africano. A Guiné Equatorial apresenta uma ditadura desde 1968, quando obteve sua independência da Espanha. De acordo com o site português IPS, existem relatórios de organizações internacionais e alguns testemunhos de jornalistas que tiveram a sorte de adquirirem visto de entrada no país, nos quais relatam que a Guiné Equatorial não apresenta desempenho passível de ser democrático. Há índices muito baixos de desenvolvimento no país. No poder desde 1979, Teodoro Obiang, é para mim, um sujeito que já deveria ter sido julgado em corte internacional e preso com uma condenação de prisão perpétua. Imaginem uma pessoa que aniquila com seu próprio povo e assassina seus opositores. Anos atrás, Obiang decretou que todos os cidadãos que tivessem ensino acima da quarta série não poderiam estudar mais, pois segundo ele, esses estudantes já teriam inteligência suficiente para pensar sobre politica, e assim, manifestar algum tipo de oposição ao sistema político. Aqueles que decidiam ir pra escola, ele simplesmente os matavam.

Desde que comecei a estudar história sempre demonstrei minha rejeição para com as ditaduras. E um dos fatos que notei sobre as ditaduras é que os descendentes dos ditadores seguem a mesma linha do pai. Diante disto, o filho de Obiang – ministro da Defesa e Segurança do Estado – demonstra-se ser pior que ele, significando assim, que o totalitarismo não termina assim tão fácil, ele é passado de pai pra filho. Isto é histórico e me incomoda profundamente, cito como exemplo países do Oriente Médio, em que o poder foi passado de pai pra filho, como é o caso da Síria.

Diante deste contexto, agora me permitam explicar o porquê escolhi o subtítulo deste texto como “A Diplomacia do Petróleo fala mais alto”. Em 1996, a companhia norte-americana Mobil iniciou a extração petrolífera em Guiné Equatorial, e gradualmente, o peso do petróleo se impôs sobre os direitos humanos. Os Estados potencias foram se mostrando interessados em participar da exploração e a produção aumentou dez vezes nos últimos anos, sendo agora o terceiro maior produtor de petróleo da África, após Angola e Nigéria. Não demorou muito e o país ganhou o apelido de “Kuwait da África” e as principais empresas de petróleo do mundo ali se instalaram. E, segundo fontes europeias, a ex-colônia espanhola tem um PIB por pessoa de US$ 24.035, enquanto 78 por cento de seus habitantes vivem com menos de 1 dólar por dia. Sendo assim, trata-se de um país rico, mas a percentagem de pobres é superior a 70%. Um país onde as enormes receitas do Estado só são suficientes para proporcionar água potável à metade da população.

Outro fato que notável é que a língua portuguesa é a terceira língua oficial da Guiné-Equatorial – depois do espanhol e do francês. Isso é ao menos discutível. Portanto, logo eu me pergunto: e o Brasil? Não fez nada? E ao pesquisar sobre a posição brasileira neste caso, tive a decepção de saber que fomos um dos primeiros a concordar com a entrada de Guiné Equatorial. Segundo os estatutos da CPLP, é estipulado que a organização só pode admitir como membro um país que tenha o português como língua oficial e manifeste adesão aos princípios que norteiam a CPLP, ou seja, regime democrático, boa –governação e respeito pelos Direitos Humanos. Desta forma, mais uma vez estou a rotular mais um caso de Hipocrisia Internacional.

A CPLP está impedida de qualquer ingerência na vida interna dos membros. E apesar de Obiang ter dado entrada em vigor de uma moratória que suspendeu – coisa diferente de proibiu – a pena de morte, espero que ao menos a CPLP realize o que Ramos-Horta (ex-presidente do Timor Leste) pediu através de uma entrevista à imprensa, que estabeleça uma agenda para forçar Obiang a eliminar a pena de morte, a tortura, as detenções arbitrarias e os desaparecimentos. Como também incluir melhorias a população civil e carcerária do país, e abertura de uma missão de Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

Desta maneira, concordo com as palavras de meu professor José Filipe Pinto (Professor Catedrático em Ciência Politica) no qual conclui que “Alguns membros da organização estão longe de constituírem um modelo aceitável de boa-governação. Uma organização deveria ter interesses e princípios. Algumas elites e a crise encarregaram-se de dispensar os segundos”.

Fonte:

http://www.ipsnoticias.net/portuguese/2014/07/ultimas-noticias/petroleo-abre-as-portas-da-comunidade-de-lingua-portuguesa-a-guine-equatorial/

*Lucien de Campos é mestrando em Diplomacia e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias – Lisboa e colaborador em Pragmatismo Político

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