Redação Pragmatismo
Saúde 15/Ago/2014 às 10:37 COMENTÁRIOS
Saúde

A covardia da indústria farmacêutica diante do Ebola

Publicado em 15 Ago, 2014 às 10h37

Principal médico de saúde pública do Reino Unido explica que culpa pelo fracasso em encontrar vacina contra Ebola é da indústria farmacêutica. Laboratórios, em “falência moral”, não investem contra doença que praticamente só atinge africanos

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Recente epidemia do Ebola já matou mais de 1.000 pessoas na África (divulgação)

Jane Merrick, The Independent. Tradução: Gabriela Leite, Outras Palavras

O principal médico de saúde pública do Reino Unido culpa o fracasso em encontrar uma vacina contra o vírus do Ebola na “falência moral” da indústria farmacêutica em investir em uma doença porque ela, até agora, só afetou pessoas na África — apesar das centenas de mortes.

O professor John Ashton, presidente do Instituto de Saúde Pública do Reino Unido, disse que o Ocidente precisa tratar o vírus mortal como se este estivesse dominando as partes mais ricas de Londres, e não “apenas” na Serra Leoa, Guiné e Libéria. Ao escrever no jornal The Independent, no domingo, o prof. Ashton compara a resposta internacional ao Ebola àquela que foi dada à Aids. Esta matou pessoas na África durante anos e os tratamentos só foram desenvolvidos quando a doença espalhou-se pelos EUA e Ingaterra, nos anos 1980.

Ashton escreve: “Em ambos os casos [Aids e Ebola], parece que o envolvimento de grupos minoritários menos poderosos contribuiu para a resposta tardia e o fracasso em mobilizar recursos médicos internacionais adequados (…) No caso da Aids, levou anos para que o financiamento de pesquisa adequada fosse posto em prática, e apenas quando os chamados grupos ‘inocentes’ se envolveram (mulheres e crianças, pacientes hemofílicos e homens heterossexuais) a mídia, os políticos, a comunidade científica e as instituições financiadoras levantaram-se e tomaram conhecimento.”

VEJA TAMBÉM: Por que o Ebola é um dos vírus mais mortais do mundo?

O surto de Ebola já custou a vida de pelo menos 729 pessoas na Libéria, Guiné, Serra Leoa e Nigéria, de acordo com os números mais recentes da Organização Mundial de Saúde (OMS). O número real é provavelmente muito maior.

Ontem, uma organização de ajuda norte-americana confirmou que dois agentes humanitários norte-americanos, que contraíram a doença na Libéria, deixaram o país. O dr. Kent Brantly passou a ser tratado em uma unidade de hospital especializado em Atlanta, no estado da Georgia, depois de se tornar a primeira pessoa com a doença a aterrissar em solo norte-americano, ontem à noite. A segunda trabalhadora, Nancy Writebol, precisou pousar em um voo privado separado.

Na sexta-feira, a Organização Mundial de Saúde alertou que o surto no oeste africano está “movendo-se mais rápido que nossos esforços para controlá-lo”. A diretora geral da organização, Margaret Chan, alertou que se a situação continuar a se deteriorar, as consequências serão “catastróficas” para a vida humana. O professor Ashton acredita que mais dinheiro deveria ser revertido para pesquisa por tratamento.

“Devemos responder a essa emergência como se estivesse acontecendo em Kensington, Chelsea and Westminster. Nós devemos também enfrentar o escândalo da falta de vontade da indústria farmacêutica em investir em pesquisa para tratamentos e vacinas, algo que se recusam a fazer porque o número de envolvidos é, em suas palavras, muito pequeno e não justifica o investimento. Essa é a falência moral do capitalismo, manifestando-se na ausência de um quadro moral e social.”

Os países do Ocidente estão em grande alerta após Patrick Sawyer, um funcionário do governo liberiano, morrer na última semana após chegar no aeroporto de Lagos — o primeiro caso conhecido na Nigéria. Hubs aéreos internacionais são foco de atenção por causa do alto volume de passageiros voando a partir do oeste da África ou para lá, todos os dias. A empresa aérea Emirataes, de Dubai, suspendeu, por tempo indeterminado, seus voos de Guiné, por conta da crise.

O professor John Ashton saudou decisão do Ministro de Negócios Estrangeiros do Reino Unido, Philip Hammond, em convocar, na semana passada, uma reunião do comitê de crises do governo — o Cobra – para discutir a prevenção, no Reino Unido, contra casos de Ebola.

O desenvolvimento de uma vacina está nos primeiros estágios nos EUA, mas em pequena escala, e há pouca esperança de que alguma fique pronta para tratar o atual surto no oeste africano. Anthony Fauci, diretor do Insituto Nacional de Saúde, uma agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, disse que há planos de começar a testar uma vacina experimental conta o Ebola, possivelmente no meio de setembro. O ensaio vem obtendo resultados encorajadores nos testes pré-clínicos em macacos. No começo do mês passado, a Agência para Alimentação e Medicamentos norte-americana [FDA, Food and Drug Administration] convocou voluntários saudáveis para um teste realizado pela Corporação Farmaceutica Takmira, para certificar se o tratamento potencial de Ebola não traz efeitos colaterais. Esta em busca de informações para garantir a segurança de voluntários.

O professor Ashton disse: “O foco real precisa ser posto na pobreza e na devastação ambiental em que as epidemias prosperam, e no fracasso da liderança política e sistemas de saúde pública em responder efetivamente. A comunidade internacional deve envergonhar-se e procurar compromentimento real… se se deseja enfrentar as causas essenciais de doenças como Ebola.”

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