Redação Pragmatismo
PSOL 20/Mai/2014 às 23:34 COMENTÁRIOS
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A carta aberta de Vladimir Safatle, ex-candidato do PSOL ao governo de SP

Publicado em 20 Mai, 2014 às 23h34

Vladimir Safatle, professor de filosofia da USP que postulava a candidatura ao governo paulista pelo PSOL está fora da disputa. Partido indicou o cartunista Gilberto Maringoni para seu lugar

wladimir safatle psol sp
Vladimir Safatle (Reprodução)

Vladimir Safatle, professor de filosofia da USP que postulava a candidatura ao governo paulista pelo PSOL, está fora da disputa pelo Palácio dos Bandeirantes.

Irritado com a legenda e o processo de disputa interna, Safatle questiona o tratamento que recebeu e a relação com a direção do partido. No domingo (18.mai.2014), o diretório paulista do PSOL indicou o historiador e cartunista Gilberto Maringoni para seu lugar.

Segundo o professor, a candidatura ao governo paulista nunca foi uma prioridade para o partido e isso tornou o conflito “inevitável”. Ele diz que e-mails privados para a direção da legenda foram publicados sem a sua autorização, o que poderia abrir espaço para uma ação na Justiça.

Safatle compara o desfecho de sua pré-campanha a uma peça de teatro. “É uma comédia que todo mundo vê de longe, os caras da esquerda se matando como se as questões internas fossem as mais importantes do mundo, um vaudeville [gênero teatral] do século 19, mostrando mais uma vez que a esquerda não está madura para apresentar uma alternativa crível”, diz.

Leia abaixo a íntegra da carta de Safatle, originalmente publicada em Diário da Liberdade:

Carta de Vladimir Safatle aos militantes do PSOL

Eu gostaria de aproveitar esta espaço para falar aos militantes do PSOL, este conjunto impressionante de sujeitos conscientes de seu lugar na história de transformação pela qual nosso país passará. Gostaria de falar com vocês com a segurança de quem sabe que lutamos pelos mesmos desejos, que nos indignamos da mesma forma e com as mesmas intensidades. Queremos as mesmas coisas e, certamente, estaremos juntos por muito tempo. Tudo está apenas começando.

Sei que muitos de vocês se entusiasmaram com a possibilidade de minha candidatura a governador em São Paulo e se decepcionaram, alguns amargamente, quando leram uma “nota interna” do diretório estadual anunciando minha pretensa renúncia. Certamente, os motivos lhe pareceram ainda mais decepcionantes. Mais sei que muitos são conscientes de como uma história só mostra seu verdadeiro sentido quando juntamos todos os seus lados. E há um lado faltante que gostaria de acrescentar a essa história. Por isto, àqueles que fizeram um juízo sobre o que ocorreu, peço que o suspendam momentaneamente. A história é diferente daquela que circulou nos últimos dias e só não me manifestei imediatamente porque esperava que ela se resolvesse de outra forma.

Há alguns setores da esquerda que, em momentos de crise, preferem ressuscitar velhos personagens de romance político ruim, como o traidor, o egocêntrico que não se sacrifica como os outros, o infiltrado, o entusiasta ingênuo, entre tantos outros que vocês já viram mais de uma vez. Melhor seria compreender tais crises como exposição de problemas estruturais que precisam ser abordados de frente caso queiramos alcançar nossos objetivos de transformação social.

Fui convidado a candidatar-me pelo partido no segundo semestre do ano passado. Depois das manifestações de junho, eu e o partido estávamos de acordo da necessidade de uma intervenção no debate eleitoral brasileiro tendo em vista a defesa de uma pauta renovada de esquerda. Havia uma convergência a respeito da importância de dar tradução programática ao profundo descontentamento social no qual o Brasil entrou, principalmente desde 2013. Desde o momento que entrei no PSOL, em outubro do ano passado (e esta era a primeira vez na vida que entrava em um partido, o que demonstra a seriedade do ato e de minha implicação subjetiva), usei o tempo para construir seminários sobre desafios de governo, levar as ideias do partido à frente, participar de inúmeras atividades partidárias, avaliar a pertinência da candidatura a partir da conjuntura e conservar espaços na imprensa que me pareciam fundamentais para o debate que gostaríamos de fazer. A ideia de deixar a decisão para abril era a mais plausível. Vinte e quatro horas depois de me filiar ao PSOL fui mandado embora da TV Cultura. Temia que a aceitação prematura da candidatura fechasse ainda mais portas que usava para divulgar nossas posições na grande imprensa. Usei este tempo também para refletir sobre o significado de uma candidatura, sobre o que seria possível fazer e se, de fato, esta era a melhor escolha de atuação política.

A partir de meados de abril, começamos a discutir questões práticas como política de alianças e infraestrutura para a campanha. Desde o início eu insistira na importância de uma política ampla de alianças à esquerda. Engajei-me pessoalmente em discutir com partidos como PSTU e Rede nestes últimos meses. Conversei várias vezes com suas lideranças. As negociações com o PSTU prosperaram, o interesse em constituir uma frente de esquerda era claro. Para mim, a constituição de uma frente era condição fundamental para impor uma dinâmica sólida de mobilização na campanha e para inaugurar uma outra forma de fazer política que não fossem refém de interesses partidários imediatos. Por isto, insisti que seria melhor definirmos inicialmente a frente antes de lançarmos a candidatura. Sabia da resistência de certos setores do partido à ideia, mas não via como concebível recuar nas alianças se o próprio PSTU lançara um manifesto, o qual assinei, pedindo a constituição da frente.

Noto ainda que esta posição se referia apenas à situação em São Paulo. Nunca interferi ou sugeri o que deveria ser feito em outros estados, e seria delirante acreditar que falaria algo a respeito. Enxergava que uma frente de esquerda nacional seria a melhor resposta para a situação política atual. Continuo pensando que nada será feito neste país sem uma política efetiva de frente que supere a fragmentação fratricida e entediante à qual a esquerda parece querer sempre retornar. Ninguém precisa de uma política especular, na qual procuramos apenas espelhos de nós mesmos. Podemos atuar politicamente compondo com nossas dissonâncias. Sei que muitos de vocês também acreditam neste pensamento.

No entanto, ao discutirmos a infraestrutura descobri o ponto mais frágil. A “nota interna” emitida pelo diretório nacional a respeito de minha pretensa renúncia à candidatura expõe tal questão como se tratasse praticamente de um delírio megalomaníaco de minha parte. Ela passa a imagem de que o partido chegara a exaustão de suas possibilidades e de que eu fora completamente insensível a isto. Tal visão é simplesmente falsa.

Primeiro, a minha última palavra não foi de renúncia, mas de aceitar a oficializar a candidatura a partir do momento que o partido conseguisse assegurar condições mínimas para o embate. Foi o partido que entendeu não haver mais tempo e que melhor seria escolher outro nome. Ninguém faria diferente se, como eu, tivesse descoberto, pela primeira vez apenas em abril, não haver nada em caixa para a campanha e que apenas a televisão e o material gráfico estariam assegurados. Durante meses ninguém me alertara para isto, expondo a real situação apenas na reta final. Eu amo demais as ideias políticas para deixá-las naufragar por falta de planejamento estratégico mínimo.

Nós gostamos de dizer, como ouvimos pela primeira vez nos movimentos Occupy, que representamos “os outros 99%”. Mas para tanto não é possível, ao menos em São Paulo, continuar tendo 1% dos votos. Este 1% não nos representa e não temos o direito de nos acomodar a ele. Durante várias vezes que discuti a infra-estrutura para a campanha, ouvi que 2% de votos estaria bom. Não penso assim, acho esta raciocínio completamente equivocado e se pensasse desta forma, não teria aceito entrar no debate em torno da candidatura. Queria saber a quem interessa que nosso partido continue pequeno. Pensar assim é abrir o caminho para a desqualificação de nossas ideias, dar a impressão de que elas não falam com quase ninguém. Por isto, é verdade, agi como quem queria impedir o partido de se acomodar ao seu tamanho. Continuo acreditando que estava certo e espero que outros também o façam.

No entanto, creio que, no fundo, a candidatura para o governo não era uma prioridade do partido. Senão seria difícil explicar porque o diretório estadual nunca foi atrás de possíveis doadores que indiquei há semanas e porque ele nunca aceitou discutir com membros da frente, como o PSTU, que estavam claramente dispostos a contribuir financeiramente de maneira substancial para a viabilidade financeira da campanha. Durante quase um mês, nada foi feito para melhorar a situação de nossa infra-estrutura, mesmo depois que pedi um cuidado especial com isto. Só quando disse não aceitar a candidatura nessas condições que algo foi efetivamente feito. Sei que o diretório é composto de pessoas extremamente dedicadas e engajadas, muitas das quais tenho real admiração, mas creio que, por várias razões, ouve uma falta de sensibilidade à importância deste problema.

O que foi exigido por mim nos permitiria fazer o mínimo: organizar atividades, contratar uma pequena equipe de pessoas que eu poderia trazer para a campanha, acrescentando-a às forças do partido para auxiliar no planejamento da campanha, na comunicação, assessoria jurídica (pois fora alertado por amigos em outras campanhas que os processos se avolumariam), assessoria de imprensa e na inteligência (montagem de dossiers temáticos, checagem de dados, pesquisa sobre problemas). Eu sabia que essa campanha seria particularmente violenta, pois se a candidatura crescesse, partidos como o PT se voltariam de maneira maciça contra nós. Eu tinha informações de não ser para eles pensável permitir que uma alternativa de esquerda demonstre densidade eleitoral em São Paulo. O que queria era ter o mínimo de condições para suportar o processo com o mínimo de planejamento de longo prazo sem obrigar as pessoas envolvida e se submeterem a trabalho voluntários. Só.

Mas os últimos dias foram a prova de que eu estava correto. Enquanto a direção estadual tornou pública uma “nota interna” que colocava toda a responsabilidade do processo em minhas costas, eu mesmo ia atrás de recursos. Conversei com contatos que havia passado ao partido e que nunca foram procurados, conversei com o PSTU que se dispôs, de imediato, a contribuir com oitenta mil reais, sendo que poderiam conseguir mais caso fosse chamado para uma reunião, que ao final nunca houve, a fim de discutir a viabilidade financeira da campanha eleitoral. Ao final, eu conseguira sozinho metade do que precisávamos. Esperava ter a oportunidade de sentar com as inúmeras alas do partido e procurar destravar a situação.

No entanto, na última sexta descobri que, enfim o diretório estadual havia entrado em contato com pessoas, que eu mesmo indiquei há semanas, dispostas a ajudar financeiramente. Havia apenas um detalhe: eles entraram em contato para pedir auxílio a outro candidato a governador. Se as possibilidades do partido haviam chegado a exaustão, então porque só depois que minha candidatura foi descartada o diretório estadual procurou ir atrás de doadores que eu mesmo indicara? Qual o sentido de uma atitude desta natureza?

Como disse desde o começo, entrei no partido para ficar. Creio que esta é a melhor alternativa para construirmos uma nova esquerda no Brasil e deslocarmos o eixo do debate político. Eu aceitei colocar meu nome na disputa como uma “intervenção cidadã”. Não tenho interesse em constituir uma carreira política, sou um professor que gosta do que faz. Mas acredito que há momentos nos quais devemos entrar no debate público a fim de abrir portas para que outros possam passar por elas. Este, de fato, era meu objetivo. Por isto, não funciona comigo o cálculo das ações eleitorais que se acumulam. Isto faz sentido para quem quer construir uma carreira política. Meu objetivo era simplesmente ter as condições básicas para fazer uma boa campanha capaz de mostrar a densidade eleitoral que a esquerda pode ter. Sei que isto é possível e, não sendo desta vez, tenho certeza de que faremos isto em outro momento. De toda forma, o mais importante de tudo foi ter a oportunidade de me aproximar da militância e conhecer seus desejos, descobrir a riqueza de seu engajamento e compromisso. Este é o grupo do qual quero fazer parte. Como disse no início, tudo está apenas começando.

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