Redação Pragmatismo
Contra o Preconceito 18/Nov/2013 às 12:13 COMENTÁRIOS
Contra o Preconceito

Um filme sobre São Paulo e um show de preconceito: “Malditos nordestinos”

Publicado em 18 Nov, 2013 às 12h13

Filme sobre São Paulo estimula uma série de comentários que são um festival inacreditável de xenofobia, racismo e obtusidade

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“Malditos nordestinos”: um filme de 1943 sobre São Paulo e um show de racismo e xenofobia (captura de tela / youtube)

Kiko Nogueira, DCM

Um filme sobre São Paulo, feito em 1943, mostra belas imagens da cidade. Foi produzido pela extinta Coordenadoria de Assuntos Inter-Americanos, CIAA, durante os anos da política de boa vizinhança.

Chefiada por Nelson Rockefeller, a CIAA tinha a função, oficialmente, de estimular “a cooperação e a solidariedade hemisférica”. O objetivo era, na verdade, enfrentar a ameaça nazista e consolidar a posição dos EUA como superpotência. É uma peça de propaganda, tanto quanto o desenho “Saludos Amigos”, que a Disney fez sob encomenda. O Brasil tinha declarado guerra à Alemanha em 1942, mas só enviou tropas para a frente de batalha em 1944.

A São Paulo que aparece ali é uma pequena maravilha. Com “O Guarani” ao fundo, surge o centro, o Museu do Ipiranga, a Avenida São João e a Avenida Paulista com seus casarões. “Com 1,3 milhão de habitantes, Sáo Páolu é hoje a maior cidade industrial da América do Sul”.

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Uma saída de fábrica da Pirelli lembra as comédias italianas de Mario Monicelli. O Instituto Butantan é uma das “várias instituições dedicadas à pesquisa científica”. Um desfile militar no Pacaembu. Deliciosas piscinas públicas. Os prédios em estilo art-déco. Um baile com uma cantora acompanhada de uma orquestra que parece uma das festas mal assombradas de “O Iluminado”.

“Refletindo o espírito de Ramos de Azevedo, o grande arquiteto, o paulista está construindo novas ruas, novos viadutos, túneis, apartamentos, avenidas, hoteis e hospitais”, diz o narrador.

A CIAA gastou 140 milhões de dólares em 6 anos e é visível, no curta, que não houve economia. A cidade retratada tem algo de fictício, mas o documento é precioso. É uma grande vila em crescimento, antes de ser desumanizada, ou a caminho de ser desumanizada, com bondes, bonita e sem nordestinos…

Epa.

O vídeo tem mais de 337 mil visualizações até agora. Evidentemente que muitos paulistanos deixaram seu parecer. E é um festival inacreditável de xenofobia, racismo e obtusidade. É como se Danilo Gentili e Roger tivessem chamado sua turma para praticar luta-livre na lama. Uma amostra:

“Emigrantes principalmente do nordeste vivem falando que construíram São Paulo. Grande mentira, os imigrantes estrangeiros e nós, paulistanos, construímos São Paulo e porque crescemos muito, eles emigraram para cá.”

“Chora mais, e vá alisar esse seu cabelo ruim, macaco.”

“Acredito que boa parte dos problemas de SP tem relação com essa migração descontrolada…O Brasil é um país muito grande de culturas diferentes… que acabam não se adaptando e causando transtornos irreparáveis.”

“A maioria de nós, paulistanos, somos muito patriotas… Tenho grande respeito pelos nordestinos, pois são trabalhadores. Mas eles vêm para SP invadindo serras, construindo favelas, onde destroem as matas e deixam a cidade feia. Os nordestinos vêm em busca de emprego, mas quase não encontram…Depois saem da cidade falando mal de nossa terra.”

“A única coisa que os nordestinos construíram em São Paulo é Heliópolis.”

“Nossa cidade esta cheia de favelas por causa dos malditos nordestinos!!”

“E tem mais, o problema não passa apenas pelos nordestinos em si, todos sabemos da elevada taxa de ”procriação” desse povo, pois bem estamos presenciando o surgimento de uma linha de nordestinos ‘made in sum paulo’”.

E um longo etc.

O YouTube tenta, há algum tempo, criar mecanismos que inibam esse tipo de comportamento. Nada deu muito certo até agora. O site de notícias falsas The Onion publicou uma “reportagem” sobre o baixo nível de comentaristas do YouTube. Segundo o Onion, a sede da empresa no Vale do Silício explodiu em aplausos depois da trilionésima manifestação racista. “Quando criamos o YouTube, em 2005, sabíamos que ele tinha o potencial de revolucionar a forma como as pessoas fazem observações altamente ofensivas”, disse o CEO Salar Kamangar. “Estamos realmente impressionados com nossos usuários dedicados e extremamente ignorantes, que fazem declarações abjetas todo dia. Obrigado”.

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