Leandro Dias
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Colunistas 13/Nov/2013 às 13:10 COMENTÁRIOS
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Os radicais e a democracia

Leandro Dias Leandro Dias
Publicado em 13 Nov, 2013 às 13h10

Em tempos de hegemonia conservadora e apaziguamento da questão social, as manifestações ainda constantes provaram que pequenas fagulhas cotidianas criadas através de pequenas vitórias simbólicas podem alimentar uma brasa inerente a qualquer sociedade extremamente desigual como a nossa

Ano que vem teremos eleições.Em 2014 vamos escolher presidente da república e governadores e vamos renovar toda a câmara. A “festa” da democracia já está começando e vamos compulsoriamente exercer nosso direito de escolha e votar em um candidato de nosso agrado (ou não). No espetáculo montando de dois em dois anos, colocamos nossa máscara de palhaço e vamos fazer parte deste lindo circo político. Palhaço não porque fazer política seja uma palhaçada ou inútil, mas exatamente porque o exercício nos faz crer que ao participar do jogo democrático-liberal estamos fazendo política, que é assim que o sistema “funciona” ou, pior, que em nosso papel de cidadão votante vamos escolher pelas urnas as mudanças que julgamos serem necessárias para a nossa sociedade.

Não, não temos que crer nisso.

“Muito longe de ser justa, democracia liberal é um jogo de cartas marcadas onde o parlamento vem apenas corroborar e legitimar decisões tomadas fora do domínio público” (citado aqui) e é isso que temos que ter em mente quando observamos qualquer pleito democrático-liberal em nossas terras. É quase uma mistura de circo com puteiro, em que troca de favores monetários, mensalões, lobbies, favorecimentos ilícitos, lícitos e interesses escusos são os meios normais de funcionamento e onde não há espaços para ideologias anti-sistema funcionando dentro dele mesmo. A história enterrou a idéia social-democrata radical europeia de se atingir o socialismo através da democracia liberal. O chamado eurocomunismo foi um fracasso em sua tentatiava de se chegar ao socialismo e uma sociedade plenamente justa e igualitária em praticamente todos os países que foi honestamente tentado (Itália e França por exemplo). Talvez se tomarmos Finlândia, Dinamarca e Noruega como exemplos, ignorando o papel de suas multinacionais pró-lucro (algumas estatais ou largamente subsidiadas) na constituição de sua prosperidade, teríamos um dos exemplos mais próximos de um socialismo bem sucedido através da democracia liberal.

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Desperdice o seu voto!

Dada a natureza da própria democracia liberal, como observamos nos últimos artigos aqui no Pragmatismo, é inviável uma candidatura radical de esquerda, mesmo que não revolucionária, especialmente porque ela está largamente baseada nos anseios da classe média “progressista” brasileira, um grupo tão sem substância que penso seriamente o que defenderia se o voto fosse facultativo e a maconha, legalizada.  A inviabilidade não reside numa falha da esquerda sectária e desunida, ou mesmo num questionável reacionarismo das antigas classes médias (como disse Marilena Chauí) ou conservadorismo das novas classes médias (como disse André Singer), mas no próprio jogo democrático liberal feito para que a vitória de uma esquerda digna do nome, sempre seja de pirro. O número de concessões que a esquerda tem de fazer para os representantes do capital e da elite que ela veio questionar são tão grandes e tão intransponíveis (dentro da legalidade) que a esquerda acaba sempre alterando o que no fundo não altera muita coisa. Não foi o sistema que foi alterado pela chegada dos socialistas ao poder no Brasil ou na Europa, mas os socialistas que mudaram profundamente ao chegar ao poder.

No jogo político eleitoral em que estamos inseridos podemos participar como jogadores, bolas ou torcedores, jamais como donos de estádios ou de equipes; o máximo que podemos tentar é ser árbitro, trabalhando no interior do Estado tentando apaziguar os problemas,  o que na prática acaba reforçando todo o sistema que supostamente temos que modificar. Essa mediação (e tentativa de mudança “por dentro” do sistema) foi chamada por alguns de pragmatismo político, por outros de política de resultados e, como vimos anteriormente, é melhor chamar apenas de democracia liberal. Não é por acaso que os partidos “socialistas” europeus (e o PT no Brasil), em substância, são bastante parecidos com seus “arqui-rivais”, as diferenças são menores do que as semelhanças. Se você está jogando o jogo, é preciso colocar o uniforme e seguir as regras. “O sistema é foda, parceiro”.

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Nestas vindouras eleições temos de ter a certeza de que não estamos fazendo nada de revolucionário ou significativo para a mudança das coisas, mesmo votando nos partidos tidos como radicais (PCB, PSTU, PCO, ou mesmo PSOL), e mais ainda votando nulo. É aqui que reside uma questão fundamental para a esquerda radical no país: se reconhecemos que pouca coisa – ou nada – mudará através deste ou de qualquer pleito eleitoral, qual o sentido de votar em algum partido? Este é um dos principais argumentos do voto nulo: a própria inutilidade e falta de substância das eleições democrático-liberais torna o voto nulo o único verdadeiramente real.

Porém, numa sociedade pouco radicalizada e apaziguada como a nossa, mesmo depois da suposta ruptura advinda com as “jornadas de junho”, o voto nulo também não modificará absolutamente nada, pior: nem ao menos o seu protesto silencioso trará alguma coisa nova, simplemente indicará um descontentamento vazio e sem rumo. Na alegoria anteriormente exposta, o voto nulo é torcedor que não foi ao estádio e reclama que os jogos andam muito ruins.  Isso sem precisar citar a falácea da nulidade das eleições e dos referidos candidatos pelo voto nulo, fato já desmentido pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral e mesmo assim, propagada de dois em dois anos por mal informados ou ingênuos, que personificam o problema da política nos políticos e não no sistema capitalista corporativo que deles precinde, compra e fabrica,

Numa situação em que a esquerda radical já perdeu, o máximo que podemos fazer é levar a discussão mais adiante, para tornar tudo mais claro ou termos mais tempo e espaço para falar, abrindo oportunidades para incitar o “constrangimento público” e abrindo os caminhos para conscientização em massa, parte fundamental do caminho que a esquerda radical almeja. Algo que falamos em nosso último texto. No entanto, não é raro escutar um ativista radical que governos neoliberais eram bons para a luta revolucionária, pois seu total desapego ao trato da questão social era combustível ideal para as contradições de classe, fomentando o caminho perfeito para uma atuação dos partidos revolucionários nas classes oprimidas. Pensam que assim, num clima de “quanto pior melhor”, nada mais positivo para um movimento revolucionário do que um governo neoliberal oprimindo e explorando mais ainda os trabalhadores.

Nada mais errado.

Ignorando o fato de a direita dominar praticamente todo aparato ideológico substancial, seja a mídia ou as igrejas, ainda temos que lembrar as pequenas lutas dialéticas, nas quais cada contradição do sistema aparece em uma forma específica e determinada de acordo com a situação e, como tal, deve ser combatida naquela específica ocasião, seja em lutas de gênero, credo, região, país, classe, judicial e, para o nosso caso, discussão eleitoral. Estas pequenas lutas devem ser exploradas e vencidas, dentro de um contexto que jamais deve ser esquecido: da luta dialética maior contra as forças opressivas do dinheiro. Desta forma, numa esfera de debate político por excelência que é a do debate eleitoral, que, mais e mais, o próprio sistema procura tornar desideologizado, transformando-o em mercado alienado de consumidores atomizados, travestindo a política como análise de produtos eleitorais e “gestão responsável e sem ideologia”, é fundamental a busca constante de re-ideologização das eleições, dos debates e da política como um todo, afim de esmagar de vez a falácia de Fukuyama do “fim da história”.

Não podemos deixar de lembrar, porém, que num quadro como este transparece o sectarismo típico da esquerda radical, diluindo em três ou quatro partidos os votos politizados que deveriam se canalizar em uma única frente, mais forte, argumentativa e combativa. PSTU, PCB, PCO, PPL  (e até mesmo o PSOL) são no geral bastante semelhantes, especialmente se considerarmos o sistemas eleitoral e de forças nos quais querem se inserir e combater e uma comunidade política onde não é raro observarem indistintamente a esquerda toda, radical ou não, como “petistas”.  Portanto, não há sentido em dividir tanto as forças da esquerda radical em micro-partidos que no máximo – com otimismo – elegerão um ou dois representantes.

E, pressupondo que, em maior ou menor grau, estes partidos não concordam com o funcionamento fisiológico, interesseiro e comprado da democracia liberal, a importância deles reside primeiro em evitar a hiperexploração dos trabalhadores e da usurpação do que é público pelo privado, segundo mas não menos importante, fortalecer o debate radical no parlamento, constrangendo constantemente o poder constituído com categóricos questionamentos, quebrando alguns paradigmas que sustentam o sistema. Então, no contexto das pequenas lutas dialéticas citado acima, podemos ter como interessantes  exemplos a atuação do deputado Marcelo Freixo na questões das milícias no RJ, ou mesmo do parlamentar Romário no papel do Estado, FIFA e CBF no jogo do capital privado.

Assim, o papel da esquerda radical não é evitar as eleições e aliená-las mais ainda. Temos de pensar nas pequenas lutas que não temos a opção de evitar e que vamos fazer sabendo que a derrota é certa, mas com a consciência de que podemos prolongar o suficiente para transformar um debate inútil em uma discussão inconveniente, relevante o suficiente para incitar fagulhas em nossa população despolitizada. Em tempos de hegemonia conservadora e apaziguamento da questão social, as manifestações ainda constantes provaram que pequenas fagulhas cotidianas criadas através de pequenas vitórias simbólicas podem alimentar uma brasa inerente a qualquer sociedade extremamente desigual como a nossa. O objetivo da esquerda radical na democracia liberal é alterar a frase “se votar mudasse algo, seria proibido” para “quando votar muda alguma coisa, ele se torna proibido”. Levar as contradições aos seus limites!

*Leandro Dias é formado em História pela UFF e editor do blog Rio Revolta. Escreve quinzenalmente para Pragmatismo Politico. ([email protected])

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