Redação Pragmatismo
Aborto 24/Jul/2013 às 20:14 COMENTÁRIOS
Aborto

A senadora que ficou 11 horas de pé em defesa do aborto

Publicado em 24 Jul, 2013 às 20h14

Wendy Davis, a senadora texana que ficou 11 horas de pé em defesa do aborto. Sem comer, tomar água ou ir ao banheiro, discursando sem intervalos contra lei restritiva ao aborto, ela fez história nos EUA

Beatriz Rey, Opera Mundi

No dia 25 de junho pela manhã, a senadora democrata do estado do Texas Wendy Davis, 50 anos (14 deles dedicados à política), deixou sua casa munida de um par de tênis de corrida da cor rosa salmão. Naquele momento, ela provavelmente não imaginava que, quando o relógio apontasse quase dez horas da noite, marcando as mais de 11 horas durante as quais ela ficou de pé, sem comer, tomar água ou ir ao banheiro, discursando contra a aprovação de uma lei restritiva ao aborto, ela se tornaria uma espécie de ícone no país.

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Wendy Davis permaneceu 11 horas de pé contra lei que criminaliza aborto (EFE)

O que Davis fez – estender o debate por longas horas para que a aprovação de um projeto de lei (PL) fosse impedida ou adiada – tem nome no sistema político norte-americano: filibuster. Seu objetivo era exatamente impedir a aprovação de um projeto de lei na Assembleia Legislativa do Texas que prevê, entre outras coisas, a proibição do aborto após as 20 semanas de gestação e a determinação de que as clínicas de aborto devem atender os mesmos padrões que os centros cirúrgicos de estilo hospitalar.

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Movimentos pró-aborto calculam que a medida pode levar ao fechamento de 37 das 42 clínicas do Texas. “O filibuster chamou a atenção para a importância de que o controle do corpo da mulher seja feito pela própria mulher”, avalia Ruth Zambrana, professora do Departamento de Estudos da Mulher da Universidade de Maryland.

Apesar do esforço, o filibuster de Davis conseguiu apenas adiar a votação do projeto de lei. No dia seguinte, o governador do Estado do Texas, Rick Perry, do partido republicano, convocou uma nova sessão especial para a votação do projeto de lei.

Reportagem sobre o dia de filibuster de Davis:

Até o momento, a Comissão de Assuntos de Estado da Câmara dos Deputados aprovou o PL. Ele ainda precisa ser aprovado no plenário da Câmara, em uma comissão do Senado e no plenário do Senado – isso se nenhuma mudança for introduzida, o que pode fazer com o que o processo comece novamente. Segundo o serviço de informações da Assembleia Legislativa, a sessão especial não pode durar mais do que 30 dias.

No dia 27, enquanto participava de uma convenção nacional “Pró-vida”, em Dallas, Perry deu declarações polêmicas sobre Davis. “É uma pena que ela não tenha aprendido a partir de seu próprio exemplo que deve ser dada a toda a vida a chance de realizar seu pleno potencial”, disse. A senadora contestou. “É muito lamentável e triste que a saúde e a segurança das pessoas estejam em risco por propósitos políticos”, afirmou, em entrevista à ABC News/Yahoo News.

Perry se valeu da própria trajetória da senadora para construir sua crítica. Davis começou a trabalhar ainda com 14 anos para ajudar a mãe a sustentar os três irmãos. Casou-se com 18 anos, teve a primeira filha (Amber, de 30 anos; ela tem outra, de 26 anos) e obteve o divórcio um ano depois. Primeira integrante da família a ter um diploma de ensino superior, formou-se em Letras na Universidade Cristã do Texas.

Durante o período em que estudou, Davis trabalhou como garçonete no Stage West Theatre Cafe, onde recentemente concedeu a entrevista à ABC News/Yahoo News. Na sequência, obteve o diploma em Direito (com honras, segundo seu próprio website) na Faculdade de Direito da Universidade de Harvard.

No dia seguinte ao filibuster, Davis teve uma conversa rápida com Brian Newby, seu sócio no escritório de advocacia Newby Davis PLLC. “Ela estava cansada, mas cheia de energia”, conta. Os dois se conheceram na década de 90 através de amigos em comum, e fundaram a empresa em 2010. Naquele momento, Davis já acumulava outras experiências com advocacia, e também na área pública. Foi eleita cinco vezes para o conselho municipal de Forth Worth, cidade do Texas onde passou a maior parte de sua vida, e já era senadora na Assembleia Legislativa do Texas (a primeira eleição aconteceu em 2008, quando ela derrotou o candidato republicano Kim Brimer).

No primeiro mandato, conduziu seu primeiro filibuster com o objetivo de impedir cortes no orçamento de educação do estado. Também se manifestou a favor dos direitos dos homossexuais em diversas ocasiões. Foi reeleita em 2012, dessa vez vencendo o republicano Mark Shelton. “Como advogada, ela tem uma reputação de abraçar questões ligadas a minorias. É uma mulher inteligente, forte e comprometida. Quando um cliente do escritório tem um problema, ela vai até o fim para que ele seja resolvido”, diz Newby.

Movimento pró-aborto

A briga que Davis comprou com o projeto de lei antiaborto exigirá todas essas qualidades e mais um pouco. Linda Gordon, professora de história na Universidade de Nova York e autora do livro Woman’s Body, Woman’s Right: A Social History of Birth Control in America, identifica a existência de um movimento conservador no país que data da década de 70. Segundo Gordon, além do objetivo evidente de eliminar a legalidade do aborto, esse movimento teria como finalidade “a construção de apoio para o partido republicano”.

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“Eu governo o meu corpo”, diz cartaz de texana contrária a projeto de lei que eliminaria todas as clínicas de aborto do Estado (EFE)

Após a decisão da Suprema Corte de 1973 (“Roe v. Wade”) que declarou a proibição do aborto inconstitucional, a pesquisadora afirma que houve um apelo dos republicanos a líderes religiosos para que os últimos se manifestassem contra o tema. “A estratégia foi tirar o foco das questões econômicas para priorizar as questões relativas a gênero e sexualidade. Na minha concepção, é um jeito de ganhar votos”, opina.

Ela aponta que o movimento antiaborto “recebeu uma grande injeção de dinheiro” na época, mas que sua atuação ficou mais forte a partir de 2009, com o surgimento do movimento ultraconservador Tea Party. “É surpreendente observar o que pode ser chamado de histeria sobre o aborto que acontece neste país no momento”, afirma. Há leis semelhantes àquela que tramita na Assembleia Legislativa do Texas (já aprovadas ou em processo de aprovação) nos Estados da Carolina do Norte, Ohio, Dakota do Norte, Mississipi e Michigan.

Nesse sentido, Ruth Zambrana, da Universidade de Maryland, considera que o filibuster e a postura de Davis em relação ao tema são importantes para o movimento pró-aborto e feminista. “O que ela fez foi desafiar a política movida a dinheiro, e reafirmar a política de ideais, de princípios. Precisamos de mais políticos como ela. É lamentável que tenhamos três mulheres na Suprema Corte [Ruth Ginsburg, Sonia Sotomayor e Elena Kagan] que não fazem absolutamente nada pelo movimento”, diz, ressaltando que também seria necessário ver homens lutando pelo direito ao aborto.

Para Linda Gordon, da Universidade de Nova York, o filibuster de Wendy, apesar de heroico, não conseguirá impedir que o projeto de lei seja aprovado na Assembleia Legislativa. A luta, na opinião dela, tem um escopo maior. “Quando você fala em guerra contra a mulher, deve lembrar que ela não acontece apenas pelo direito ao aborto. Em Wisconsin, o governador rejeitou uma lei que estabelecia igualdade para os salários de homens e mulheres. O movimento é maior e nacional”, explica. Para reverter o quadro, a historiadora aposta no processo democrático e no poder dos eleitores. “As pessoas eventualmente rejeitarão o extremismo conservador”, conclui.

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