Luis Soares
Colunista
Política 25/Ago/2011 às 19:24 COMENTÁRIOS
Política

Sarkozy e Cameron querem maior parte do lucro na Líbia, mas disputa é acirrada

Luis Soares Luis Soares
Publicado em 25 Ago, 2011 às 19h24
Reportagem de Pepe Escobar publicada no Asia Times Online e traduzida pelo Coletivo Vila Vudu
Os vencedores da bonança do petróleo já estão designados:
membros da OTAN mais monarquias árabes. Dentre as empresas envolvidas, a
British Petroleum (BP) e a francesa Total
. Já a reconstrução da Líbia ficará sob responsabilidade do setor de construção da Arábia Saudita.
Eles têm certeza que abocanharão a maior fatia do bolo Líbio
Pensem na nova Líbia como último espetacular capítulo da série
“Capitalismo de Desastre”. Em vez de armas de destruição em massa,
tivemos a R2P (“responsabilidade de proteger”). Em vez de
neoconservadores, imperialistas humanitários. 
Mas o alvo é sempre o mesmo: mudança de regime. E o projeto é o
mesmo: desmantelar e privatizar uma nação que não se integrou ao
turbo-capitalismo; abrir mais uma (lucrativa) terra de oportunidades
para o neoliberalismo super turbinado. E a coisa vem em boa hora, porque
acontece em momento já próximo de plena recessão global. 
Leia mais:

Demorará um pouco. O petróleo líbio não voltará ao mercado antes de 18
meses. Mas há o negócio da reconstrução de tudo que a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN) bombardeou (sim, sim, nem tudo que o
Pentágono bombardeou em 2003 foi reconstruído no Iraque…)

Seja como for – do petróleo à reconstrução – brotam oportunidades para
negócios sumarentos.
O neonapoleônico Nicolas Sarkozy da França e o
britânico David das Arábias Cameron acreditam que estarão especialmente
bem posicionados para lucrar com a vitória da OTAN. Mas nada garante que
a nova bonança baste para arrancar da recessão as duas ex-potências
coloniais (neocoloniais?).

O presidente Sarkozy em particular mamará nas oportunidades comerciais
para empresas francesas o mais que possa – parte de sua ambiciosa agenda
de “reposicionamento estratégico” da França no mundo árabe. Uma
imprensa francesa complacente decidiu armar os ‘rebeldes’ com armamento
francês, em íntima cooperação com o Qatar, incluindo uma unidade de
comandos ‘rebeldes’ mandada por mar de Misrata para Trípoli sábado
passado, no início da “Operação Sirene”.[1]

Bem, já se viram movimentos de abertura desses desenvolvimentos, desde
quando o chefe de protocolo de Muammar Gaddafi fugiu para Paris, em
outubro de 2010. Foi quando todo esse drama de mudança de regime começou
a ser incubado.

Bombas em troca de petróleo

Como já observado (ver: Líbia – Mito da revolução popular e detalhes sórdidos de como a OTAN venceu a guerra),
os abutres já voejam sobre Trípoli para devorar (e monopolizar) os
despojos. E, sim – grande parte da ação tem a ver com negócios de
petróleo, como disse Abdeljalil Mayouf, gerente de informações da
Arabian Gulf Oil Company ‘rebelde’, em declaração nua e crua: “Não temos
problemas com países ocidentais como empresas italianas, francesas e
britânicas. Mas podemos ter algumas questões políticas com Rússia, China
e Brasil.”

Esses três são membros crucialmente importantes do grupo BRICS das
economias emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul),
países que estão crescendo, enquanto as economias atlanticistas e
OTAN-bombardeantes estão afundadas em estagnação ou recessão. Os quatro
principais BRICSs também se abstiveram na votação que aprovou a
Resolução n. 1.973 do Conselho de Segurança da ONU, a mascarada daquela
‘zona aérea de exclusão’ que depois se metamorfoseou em bombardeio
cerrado, pela OTAN, para forçar, de cima para baixo, uma ‘mudança de
regime’. Esses países viram corretamente o que havia para ver, desde o
início.

Para piorar (para eles) ainda mais as coisas, só três dias antes de o
Africom (Comando Africano) do Pentágono lançar seus primeiros 150 (ou
mais) Tomahawks contra a Líbia, o coronel Gaddafi deu entrevista à
televisão alemã, na qual destacou que, se o país fosse atacado, todos os
contratos de energia seriam transferidos para empresas russas, indiana e
chinesas.

Assim sendo, os vencedores da bonança do petróleo já estão designados:
membros da OTAN mais monarquias árabes. Dentre as empresas envolvidas, a
British Petroleum (BP), a francesa Total e a empresa nacional de
petróleo do Qatar. Do ponto de vista do Qatar – que investiu jatos de
combate e soldados na linha de frente, treinou ‘rebeldes’ em táticas de
combate exaustivo e já está negociando vendas de petróleo
no leste da
Líbia – a guerra se comprovará muito esperta decisão de investimento.

Antes da crise que já dura meses e está agora nos movimentos finais, com
os ‘rebeldes’ já na capital, Trípoli, a Líbia estava produzindo 1,6
milhões de barris/dia de petróleo. Quando recomeçar a produzir, os novos
senhores de Trípoli colherão alguma coisa como US$50 bilhões/ano.
Estima-se que as reservas líbias cheguem a 46,4 bilhões de barris. 

Leia também:

Melhor farão os ‘rebeldes’ da nova Líbia se não se meterem com a China.
Há cinco meses, a política oficial chinesa já era exigir um cessar-fogo;
tivesse acontecido, Gaddafi ainda controlaria mais da metade da Líbia.
Pequim – que jamais foi fã de ‘mudança de regime’ violenta – está
exercitando, por hora, a arte da moderação extrema.

Zhongliang, chefe do Ministério do Comércio, observou, otimista, que “a
Líbia continuará a proteger os interesses e direitos dos investidores
chineses, e esperamos manter os investimentos e a cooperação econômica”.
Abundam as declarações oficiais que enfatizam a “mútua cooperação
econômica”.

Semana passada, Abdel Hafiz Ghoga, vice-presidente do sinistro Conselho
Nacional de Transição, disse à rede de notícia Xinhua que serão
respeitados todos os negócios e contratos firmados com o regime de
Gaddafi. – Mas Pequim não quer saber de correr riscos.

A Líbia forneceu apenas 3% do petróleo que a China consumiu em 2010.
Angola é fornecedor muito mais crucial. Mas a China ainda é o principal
consumidor de petróleo líbio na Ásia. Além disso, a China pode ser muito
útil no front da reconstrução da infraestrutura, ou na exportação de
tecnologia – nada menos que 75 empresas chinesas, com 36 mil empregados
já trabalhavam na Líbia antes do início da guerra civil/tribal (e foram
evacuados, com eficiência e sem alarde, em menos de três dias).

Os russos – da Gazprom à Tafnet – tinham bilhões de dólares investidos
em projetos na Líbia; as brasileiras Petrobras, gigante do petróleo e a
empresa construtora Odebrecht também tinham interesses lá. Ainda não se
sabe exatamente o que acontecerá com eles. O diretor geral do Conselho
de Comércio Rússia-Líbia, Aram Shegunts, está extremamente preocupado:
“Nossas empresas perderão tudo, porque a OTAN impedirá que façam
negócios na Líbia.”

A Itália logo entendeu que lá teria de ficar, “com ‘rebeldes’ ou sem”. A
gigante italiana ENI, parece, não será afetada, dado que o
primeiro-ministro Silvio “Bunga Bunga” Berlusconi pragmaticamente
abandonou seu ex-íntimo amigo Gaddafi, logo no início do bombardeio
EUA-Africacom/OTAN.

Os diretores da ENI italiana estão confiantes de que o petróleo líbio
recomeçará a fluir para o sul da Itália ainda antes do inverno. E o
embaixador da Líbia na Itália, Hafed Gaddur, disse a Roma que os
contratos da era Gaddafi serão honrados. Por via das dúvidas, Berlusconi
se reunirá com o primeiro-ministro do Conselho Nacional de Transição,
Mahmoud Jibril, na próxima quinta-feira, em Milão.

Bin Laden os salvará[2]

O ministro das Relações Exteriores da Turquia Ahmet Davutoglu – da
famosa política de “zero problemas com nossos vizinhos” – também já
andou elogiando os ex-‘rebeldes’ convertidos em poder de fato. Também de
olhos postos na bonança de negócios da era pós-Gaddafi, Ankara – que é o
flanco oriental da OTAN – terminou por ajudar a impor um bloqueio naval
contra o regime de Gaddafi, cultivou atentamente o Conselho Nacional de
Transição e, em julho, reconheceu-o formalmente como governo da Líbia.
Business “recompensa” os ardilosos.

Chegamos afinal ao coração desse script: o que a Casa de Saud lucrará
por ter sido instrumento para implantar um regime amigável na Líbia,
possivelmente salpicado de salafitas notáveis; uma das razões chaves
para o massacre imposto pelos sauditas – que incluiu um voto inventado
na Liga Árabe – foi o ódio furioso que separou Gaddafi e o rei Abdullah,
desde as primeiras escaramuças que levaram à guerra contra o Iraque em
2002.

Nunca será demasiado destacar a hipocrisia cósmica de uma
monarquia/teocracia medieval absoluta ultra reacionária – que invadiu o
Bahrain e reprimiu com brutalidade os xiitas locais – apoiar o que se
apresenta como movimento pró-democracia no Norte da África.

Seja como for, é hora de celebrarem. Em breve, lá estará o grupo saudita
Bin Laden Construtora, para reconstruir feito doido em toda a Líbia – é
possível que transformem Bab al-Aziziyah (que foi saqueado) em
hotel-shopping center de luxo monstro da Tripolitânia.

NOTAS

[1] Orig. “Operation Siren”. A operação foi lançada no sábado à
noite, à “hora do Iftar”, que marca o fim do jejum religioso do Ramadan.
As “sirenes”, que eram usadas pela Al-Qaeda para convocar manifestações
contra o governo de Gaddafi, foram usadas dessa vez como sinal para os
pequenos grupos de ‘rebeldes’ de Benghazi (para outros, seriam pequenos
grupos de militantes da Al-Qaeda) que já estavam em Trípoli. Esses
pequenos grupos iniciaram algumas escaramuças em terra, coordenadas com
intenso bombardeio aéreo pelas forças da OTAN (cf. Thierry Meyssan,
TARPLEY.net, 21/8/2011, em
http://tarpley.net/2011/08/22/nato-slaughter-in-tripoli/). Jornais
norte-americanos falam de uma “Operation Mermaid Dawn” [operação Aurora
da Sereia] contra a Líbia, acrescentando que “mermaid” [sereia] seria
nome em código para “Líbia” (cf. Huffington Post,  22/8/2011, em
http://www.huffingtonpost.com/social/April22/libya-rebels-tripoli_n_933092_104238013.html).
Em português (não em inglês), há algum deslizamento de significados
entre “sereia”, o ser mítico, e “sirene”/”sirena”, o dispositivo que há
em carros de bombeiros e ambulâncias, que emite som e, também os
aparelhos que emitem alarme de incêndio em prédios. Sem algum
comentário, perder-se-ia essa ambigüidade, na tradução [NTs]. 
[2] Orig. Bin Laden to the rescue, ‘politicamente’ muito difícil
de traduzir. A solução que propomos é uma, dentre outras possíveis e
pode ser melhorada. Correções e sugestões são bem-vindas. Consideramos
também “Só bin Laden salva”, descartada por votos, quer dizer, menos por
argumentos, que pela maioria. Traduzir é empreitada cheia de riscos
inevitáveis [NTs].

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