Luis Soares
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Política 18/Ago/2011 às 15:32 COMENTÁRIOS
Política

Revelações espantosas de como os EUA tentaram sabotar Celso Amorim - WikiLeaks

Luis Soares Luis Soares
Publicado em 18 Ago, 2011 às 15h32
Documentos revelam: para desestabilizar ex-chanceler, embaixada norte-americana contava, principalmente, com então ministro Nelson Jobim
Jogo sujo: Jobim e Sobel agiram juntos para boicotar Amorim
Aos olhos do serviço diplomático dos Estados Unidos, em especial
durante a era Bush, a posição independente do Ministério das Relações
Exteriores, capitaneado por Celso Amorim, hoje ministro da Defesa,
parecia uma constante provocação. Nos telegramas vazados pelo WikiLeaks,
o MRE é acusado de dificultar as relações bilaterais por suas
“inclinações antiamericanas”, definidas por um ministro “nacionalista” e
um secretário-geral “antiamericano virulento” (Samuel Pinheiro
Guimarães), e secundado por um “acadêmico esquerdista” (Marco Aurélio
Garcia), conselheiro de política externa do presidente Lula.
“Manter a relação político-militar com o Brasil requer atenção
permanente e, talvez, mais esforço do que qualquer outra relação
bilateral no hemisfério”, desabafava o embaixador John Danilovich, em novembro de 2004.
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Foi ele que, numa reunião em março de 2005, tentou convencer Amorim
da ameaça “cada vez maior” que a Venezuela representava à região. A
resposta “clara” e “seca” do chanceler desapontou o americano:
“Nós não vemos Chávez como uma ameaça. Não queremos fazer nada que prejudique nossa relação com ele”. E cortou o assunto.
O sucessor de Danilovich, Clifford Sobel, teve mais sorte. O
ex-ministro da Defesa Nelson Jobim era interlocutor contumaz do
embaixador, a ponto de confidenciar sua irritação com o MRE, em especial
com Pinheiro Guimarães. Tornou-se peça vital em uma estratégia
diplomática americana que explorava a divisão dentro do governo em
proveito próprio, como revelam os telegramas.
Para os EUA, Celso Amorim é “nacionalista antiamericano”
Em fevereiro de 2009, já com Obama na Presidência dos Estados Unidos,
Sobel enviou uma série de três informes, sugerindo formas de contornar
o triunvirato “esquerdista” da política externa brasileira. O jeito,
afirma, seria fazer aliança com o setor privado, que tem “habilidade
para conseguir aprovar iniciativas junto ao governo” e tentar uma
aproximação direta com Lula e outros ministros que poderiam defender a
causa americana.
Uma “estratégia testada”, afirma Sobel, citando entre outros exemplos
o caso da transferência para o Brasil dos 30 agentes da DEA, a agência
americana de combate às drogas, expulsos da Bolívia por Evo Morales no
fim de 2008. “Apesar da recusa do MRE de conceder vistos aos agentes,
conseguimos realizar a transferência com a ajuda da Polícia Federal, da
Presidência da República e de nossas excelentes relações com o
ministro da Justiça (Tarso Genro)”, gaba-se.
O segundo telegrama foca os minguados recursos humanos e financeiros
do Itamaraty, apresentando-os como oportunidade para os Estados Unidos.
Muitos cargos diplomáticos estavam sendo preenchidos por “trainees e
terceiros-secretários” por falta de pessoal para as novas embaixadas
brasileiras, observa o embaixador americano, acrescentando que seria
“crucial influenciar essa nova geração”.
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“Os franceses instituíram um programa de intercâmbio diplomático com o Itamaraty em 2008, semelhante ao nosso Transatlantic Diplomatic Fellowship,
e agora têm um diplomata trabalhando no Departamento Europeu do
Itamaraty. Uma proposta similar seria válida para conseguir um posto que
nos permita observar de dentro esse ministério-chave e mostrar como os
Estados Unidos executam sua política externa”, sugere.
No terceiro telegrama, Sobel afirma que, embora o MRE continuasse a
ser o líder incontestável da política externa brasileira, o crescimento
internacional tendia a erodir seu controle. Apesar da falta de hábito
das instituições brasileiras em lidar diretamente com governos
estrangeiros, alguns ministérios como o do Meio Ambiente e,
principalmente, o da Defesa estabeleceram relações diretas com a
embaixada norte-americana em Brasília, relata.
Todas as ações e articulações foram feitas em sigilo
Um telegrama enviado em 31 de março de 2009, depois da visita do
presidente Obama ao Brasil, dá um exemplo prático da eficiência dessa
estratégia. Pedindo sigilo absoluto de fonte, o embaixador conta que
Jobim pretendia contribuir com o combate ao narcotráfico na região,
possivelmente através do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) criado
pela União Sul-Americana de Nações (Unasul). “Ele disse que o CDS
poderia ser o canal perfeito para conseguir o engajamento dos militares
dos outros países sem passar pelo MRE”, escreve, acrescentando que o
então ministro da Defesa estaria disposto a envolver os militares no
combate ao tráfico nas fronteiras brasileiras. “O plano de Jobim
sinaliza um grande passo, uma vez que o assunto é altamente sensível
internamente, no governo, e para o público brasileiro”, comenta.
Também durante as tratativas frustradas de compra dos caças, Jobim e
os líderes militares agiram longe do Itamaraty, como mostram os cerca
de 50 telegramas sobre o tema. Em um deles, Sobel relata a visita da
comitiva presidencial à França e comenta, com ironia, as reportagens da
imprensa brasileira que afirmam o apoio de Lula, Amorim e Jobim à
aquisição dos caças Rafale: “Talvez isso seja mais um marriage blanc do que amour veritable”,
diz. E explica: “Nos encontros privados com o embaixador, Jobim
minimizou a relação com a França e manifestou um claro desejo de ter
acesso à tecnologia americana. O obstáculo é o Ministério das Relações
Exteriores”.
Sobel também se reuniu com os comandantes das Forças Armadas para
pedir “conselhos” sobre as chances de os caças da Boeing vencerem a
concorrência de quase 10 bilhões de reais. Ficou entusiasmado com o
resultado: “Os apoiadores mais fortes do Super Hornet (o F-18
americano) são as lideranças militares, em particular o comandante da
Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito”, relata em telegrama de janeiro de
2009.
O embaixador também obteve “uma cópia não oficial” de uma Requisição
de Informações da Aeronáutica (passada eletronicamente para
Washington), que “permite planejar os próximos passos para os Estados
Unidos vencerem a negociação”. Além de garantir que o preço não seria o
principal critério da escolha, o documento informa que a Embraer,
“principal beneficiária de qualquer transferência de tecnologia”,
consideraria “desejável a oportunidade de estabelecer uma parceria com a
Boeing”, principalmente se houvesse “a intenção de oferecer uma
cooperação adicional na área da aviação comercial”.
À luz dos telegramas do WikiLeaks, o relatório apresentado em janeiro
de 2010 pela  FAB ao ministro Jobim, colocando a aeronave sueca (Saab
JAS 39 Gripen) como melhor opção, exatamente por causa
dos custos, traz novas indagações. O Rafale francês foi classificado
em terceiro lugar, atrás dos caças americanos, esse sim apontado como o
de melhor tecnologia. Mas não era o preço que importava, não é?
Por Marina Amaral e Natalia Viana, em Publica

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