Luis Soares
Colunista
Política 26/Jul/2011 às 15:38 COMENTÁRIOS
Política

Carlos Araújo, o primeiro e melhor amigo de Dilma Rousseff

Luis Soares Luis Soares
Publicado em 26 Jul, 2011 às 15h38
“Nega, você precisa aparecer por aqui”, diz Araújo, ao telefone, minutos antes de começar a conversa com a Revista do Brasil. Nega é a presidenta Dilma Rousseff. A relação dela com o ex-marido transcende a amizade. Ambos foram casados por quase 20 anos, tiveram uma filha, Paula, hoje procuradora do Trabalho, e viveram momentos de grande felicidade e sofrimento. Foram presos e torturados durante a ditadura – eram importantes quadros da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, a VAR-Palmares. Dilma caiu primeiro. Passou dias no pau de arara, tomando choques elétricos, mas não entregou o companheiro. Araújo faria o mesmo por Nega.
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Quando Dilma recebeu o convite para assumir o Ministério de Minas e Energia, sua primeira providência foi pegar um avião para Porto Alegre e conversar com Araújo. A viagem se repetiu quando foi indicada para chefiar a Casa Civil e, depois, para disputar a sucessão de Lula. Nas crises, ela também apareceu. Araújo, do alto de sua modéstia, nega o papel de “conselheiro”. Acha exagero. Diz conversar com Dilma mais sobre artes plásticas e literatura do que política. É difícil de acreditar. 
Aos 73 anos, Araújo não perde o entusiasmo, apesar de o enfisema pulmonar limitá-lo fisicamente. Nos últimos tempos, as lideranças vão até ele. No dia anterior à entrevista, havia recebido para um jantar expressões como o ex-governador Germano Rigotto e o ex-prefeito Raul Pont. Araújo foi eleito três vezes deputado estadual entre os anos 1980/90 pelo PDT. Em 1988, perdeu para Olívio Dutra a disputa à prefeitura de Porto Alegre. Ao receber a reportagem em seu escritório com vista para o Rio Guaíba, disse que começou na política pichando muros da cidade com a inscrição “O Petróleo É Nosso” e relembrou momentos da época da ditadura, que incluem uma tentativa frustrada de suicídio. Divertiu-se ao falar de sua amizade com Leonel Brizola e de como o velho caudilho era temido pelo sindicalista Luiz Inácio da Silva. E contou sobre sua relação com Dilma Rousseff, a Nega.
O senhor ainda exerce liderança no Rio Grande do Sul. Dizem que ela até aumentou depois que o senhor virou “conselheiro” da presidenta da República…

Não tem essa história de conselheiro político. Nós somos amigos. Fui casado com ela, temos uma filha juntos, militamos na época da ditadura. É natural que se estabeleça uma relação de confiança. Mas daí dizer que eu sou seu conselheiro político… O pessoal exagera um pouco. 
Mas vocês conversam por telefone quase todos os dias. Falam de política, naturalmente.

Mas não só de política. Conversamos sobre tudo. Culinária, literatura, artes plásticas. Pouca gente sabe, mas Dilma é uma estudiosa do assunto. É apaixonada por artes plásticas.
Imagino que no meio da crise a conversa não gire em torno de pintores renascentistas…

Não há crise alguma. O Brasil vai crescer perto de 5%, com controle de inflação. Onde há crise? Não quero falar sobre o caso Palocci. Isso já é página virada. A Gleisi (Hoffmann, que assumiu a Casa Civil após a demissão) vai fazer um belo trabalho. 
Em que momento Lula passou a confiar plenamente em Dilma a ponto de indicá-la ao cargo mais importante de seu ministério?

Vou te contar uma história, que me foi relatada pelo próprio Lula. Na primeira reunião ministerial, a Dilma, como ministra das Minas e Energia, ficou o tempo toda calada, com o laptop aberto. Só se manifestou, balançando a cabeça, quando o Henrique Meirelles (presidente do Banco Central) começou a falar. O Lula percebeu que Dilma havia ficado contrariada com algo, mas não disse nada. Na segunda e na terceira reunião foi a mesma coisa: o Meirelles falava e a Dilma balançava a cabeça para os lados, quieta. 
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O Lula foi conversar. E ela: “O Meirelles está escondendo o leite, presidente”. Dilma disse a Lula que iria ensiná-lo a ler o orçamento para nunca mais ser “enganado” pelos ministros. Nasceu uma amizade ali que foi ganhando força naturalmente.  

Fernando Henrique chegou a desafiar Lula para uma disputa pela prefeitura de São Paulo. Quem teria mais chances?

Nas grandes capitais, a classe média sempre foi refratária ao PT. Mesmo assim, acho que o FHC não venceria tão facilmente. A tendência é que o PT conquiste, aos poucos, a classe média. O FHC tinha razão quando disse que os tucanos precisavam lutar para conquistar a nova classe média. Se não lutarem, não vai sobrar mais nada.  
Mas não é ruim para o país ter uma oposição tão enfraquecida?

Quem disse que a oposição está enfraquecida? A Dilma tem a mídia toda contra ela. O Lula também teve, mesmo batendo recordes de popularidade. Tem oposição mais dura e combatente do que essa? A Dilma anunciou que pretende conceder 75 mil bolsas de estudos no exterior para estudantes brasileiros. Uma medida sensacional, muito importante, mas praticamente ignorada pelos jornais. A Dilma foi para a China e os grandes jornais deram a notícia no pé da página. A mídia quer o poder. Não engole o PT no poder. Veja o Obama. Ele faz tudo o que a elite quer, mas a Fox News (a mais conservadora rede dos Estados Unidos) mete o pau nele todo dia. Mas lá não tem hipocrisia. As redes assumem suas posições políticas. O Brasil é o único lugar do mundo em que a mídia apoia um candidato, mas não assume.
O senhor e Dilma se conhecem desde os tempos em que ela era a “Vanda” e o senhor o “Max”, na VAR-Palmares, há mais de 40 anos. Já era possível identificar em Dilma características que a levariam tão longe politicamente?

Ela já era uma militante diferenciada. Tinha uma cultura acima da média. Mas claro que ela não ambicionava chegar tão longe. Ela queria mudar o país, era muito idealista. E ainda é. 
Já era meio “gerentona”? Ela chegou mesmo a bater de frente com Carlos Lamarca?

A Dilma não é gerentona. Ela tem um traço centralizador, gosta de participar de todas as decisões. Mas sabe delegar. Não é verdade que ela entrou em choque com o Lamarca. Eles tinham funções diferentes. O Lamarca atuava na linha de frente. Já a Dilma tinha uma função mais estratégica, operacional.
Algumas organizações recomendavam o suicídio do militante no momento da prisão para evitar que, sob tortura, ele delatasse companheiros. Parece que o senhor não foi lá muito eficiente em sua tentativa de suicídio…

Sim (risos). Eu me joguei debaixo de uma Kombi. Fui preso em meados dos anos 1970, em frente ao estádio do Palmeiras, na Rua Turiaçu. Quem me prendeu foi o delegado (Sérgio Paranhos) Fleury. Para não entregar o companheiro que morava comigo, disse que morava na Rocinha. Eu sabia que eles tentariam arrancar tudo de mim na base da tortura. A única solução honrosa era me matar. 
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Não tentou a cápsula da morte, elaborada por estudantes de Química?

Aquelas cápsulas não adiantavam nada. No máximo, davam uma caganeira (risos). 
E o que o senhor fez?

Eu disse que ia me encontrar com Lamarca na Lapa. Escolhi uma rua larga, com bastante trânsito. Quando caminhei em direção ao tal encontro, com eles me observando, vi uma Kombi em alta velocidade. Não tive dúvida: me atirei no chão e esperei que ela passasse por cima. Fiquei razoavelmente ferido. Acho que inconscientemente eu sabia que não ia morrer. Queria escapar da tortura. Não queria entregar ninguém. 
O senhor escapou?

Naquele momento, sim. Fui levado para o Hospital Militar. Eu estava todo estourado e os caras queriam me torturar ali mesmo. Só que as freiras, que formavam a estrutura do Hospital Militar, não deixaram. Ameaçaram criar o maior banzé. Fui interrogado por cinco dias, sem tortura. Nesse meio tempo, o meu companheiro de quarto conseguiu fugir.
Dilma foi presa meses antes. Passou dias sendo torturada no pau de arara e com choques elétricos, mas não entregou o senhor.

É verdade (emocionado, interrompe a entrevista). 
O senhor foi salvo pelas freiras, mas não escapou da tortura na Operação Bandeirante (Oban) e depois no Dops, de Romeu Tuma. Chegou a vê-lo nos porões do Dops?

Não, nunca vi. Ele não participava das torturas, mas autorizava tudo aquilo. O que dá na mesma. 
Não vamos falar de Romeu Tuma…

Não, não vamos. 

Que tal de Leonel Brizola?

Grande Brizola! 
Quando vocês se conheceram?

Na Campanha da Legalidade (movimento ocorrido após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, e que lutava pela posse do vice, João Goulart. Leia mais na pág. 36). Eu poderia passar uma semana aqui contando histórias.  
Pode começar…

Ah, lembro que em 1977 eu e a Dilma, na época minha mulher, resolvemos ir a Portugal para visitar o Brizola, exilado. Passamos por São Paulo e procuramos Lula para tentar convencê-lo a nos acompanhar na viagem. Ele já era um líder sindical importante, e eu achei que seria a hora de levá-lo para conhecer um mito da esquerda brasileira, como era o Brizola. 
Ele aceitou?

Que nada. O Lula, com toda aquela intuição dele, disse: “Carlos, eu não vou. Se eu for agora, ele me engole. Não estou preparado ainda”. E o Lula não estava mesmo. Só um líder como ele para perceber isso. Agora veja o que o destino aprontou para mim: virei conselheiro de três netos do Brizola. E gosto muito dos três. O Brizola Neto, que é deputado federal pelo Rio de Janeiro, tem um potencial muito grande. É muito preparado. Ele tem um blog, chamado Tijolaço, que foi o melhor blog da campanha da Dilma. 
O senhor participou intensamente da campanha de Dilma?

A distância. Mas, claro, em alguns momentos da campanha ela veio até em casa para conversar. 
Houve momentos conturbados, como o caso Erenice Guerra, ex-chefe da Casa Civil e de confiança de Dilma, que durante a campanha, acabou afastada. O senhor achou que Dilma perderia?

Não. Eu tinha certeza que ela venceria. Houve um fator primordial que definiu as eleições, mas passou meio em branco pelos analistas. O fator Serra. O Serra desde criança só pensa nisto: virar presidente da República. A Dilma, não. Ela sabia que se perdesse a eleição a sua vida não terminaria ali.  
A vida de Serra acabou com sua derrota?

Não sei. Provavelmente será candidato novamente. Mas vai perder de novo. A oposição ficou sem discurso. 
E Aécio Neves?

Enquanto ele for do PSDB, não vai ser candidato nunca. A hipótese é zero. São Paulo não deixaria. O PSDB vai quebrar o pau de novo e, na última hora, eles acabam escolhendo um candidato paulista. Vão colocar o Serra ou o Alckmin. 
Mas se for um candidato fabricado… Luciano Huck disse que sonha em disputar as eleições presidenciais. É amigo de Aécio.

Não adianta. O PSDB não deixaria. 
O senhor parece não levar em conta que a política é cheia de tropeços. O próprio Lula passou por um momento conturbado, com o “mensalão”…

O mensalão não existiu. É uma invenção da mídia brasileira. Todos os partidos, sem exceção, tinham sobras de campanha. Não era um “esquema” inventado pelo PT, e sim uma prática lamentável usada por todos os partidos, inclusive pelo PSDB. 
A oposição diz que o Brasil vai passar vergonha na Copa do Mundo e na Olimpíada. As obras nos estádios estão atrasadas, os velhos problemas de infraestrutura não serão resolvidos até 2014. Tem a questão dos aeroportos…

Vai dar tudo certo. Se não der, coloca dinheiro em cima que sai. Isso é capitalismo. Não vejo problema nenhum. Claro que pode ter um probleminha aqui, outro ali, como ocorre em qualquer país, mas nada substancial. Só em São Paulo parece que está complicada a questão do estádio do Corinthians. Tem coisa que só acontece com o Corinthians (risos). Mas vai dar certo. É um absurdo não ter Copa em São Paulo. 
Com esse otimismo todo, o senhor não pensa em se candidatar novamente a um cargo majoritário?

Não tem condições, eu tenho deficiências respiratórias por causa de um enfisema. Mas não me sinto isolado. Minha casa vive cheia de gente, cheia de políticos. Eu continuo, de alguma forma, fazendo política. Faz parte da minha natureza.
Rede Brasil Atual

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